A cada ano, o cinema brasileiro tem investido em gêneros e formatos pouco abordados em nossa cinematografia, dialogando com os moldes de produção estrangeiro e, criando assim, narrativas que delineiem um ponto de vista peculiar sobre temáticas geralmente massificadas pelo sistema estadunidense. Os filmes de terror, especificidade de Zé do Caixão até certo momento, ganharam visibilidade. As comédias românticas e as tramas de ação, já presentes timidamente, ganharam maior abordagem, e os filmes natalinos, uma tradição que envolve neve, guirlandas, árvores decoradas e outros elementos simbólicos conectados com o clima e a cultura alheia também tem recebido versões adaptadas por aqui, em histórias que emulam os conceitos estrangeiros e, em sua maioria, involucram os personagens em formatos culturais brasileiros. É o caso deste Um Natal Cheio de Graça. Nem de longe o espectador vai contemplar um filme brilhante e inesquecível, mas mesmo diante de suas diversas falhas, a comédia tem algo de cativante.
O filme começa com Oh Happy Day, o clássico de Edwin Hawkins múltiplas vezes reinterpretado na cultura pop. Não demora alguns segundos para o arranjo ser traduzido para a musicalidade brasileira, num contagiante ritmo de samba. Parece um aviso dos realizadores para o público, algo do tipo “você está diante de um filme natalino, mas esqueça da neve, aqui é uma produção adaptada para o contexto local”. Em termos visuais, sim, Um Natal Cheio de Graça traz vários elementos simbólicos globais associados ao período, mas os diálogos e o desenvolvimento das situações são tipicamente brasileiros, com aquele jeitinho peculiar que só nós temos. O protagonismo da história está na dupla formada por Carlinhos (Sérgio Malheiros) e Graça (Gkay).
Eles se conhecem repentinamente depois de uma situação inusitada. Ela alega que os seus documentos foram roubados e que esta a ver navios pela cidade, e ele, depois de sair do trabalho e seguir ansiosamente para casa, tendo em vista pedir a namorada em casamento, acaba flagrando a bela pretendente com outra mulher em momentos de intimidade na banheira. A confusão está armada para os dois e sobreviver aos caos é a meta. Ele o corno. Ela a atrapalhada. Juntos, seguem para a casa da avó de Carlinhos, uma mansão numa região interiorana elitizada onde todos pretendem confraternizar o Natal. A ideia do jovem é que Graça se passe por sua namorada ao menos durante este período, pois não está nem um pouco interessado em ter que dar explicações sobre o seu presente atordoado.
É óbvio que, nesta empreitada cheia de desafios, a dupla vai se apaixonar, passar por diversos percalços, ficando junto em um final apoteótico. A ida para a casa de Lady Sophia (Vera Fischer), uma mulher empoderada com liderança autocrática no ambiente familiar muda a vida de todos. Há o contraste entre o tradicionalismo dos parentes de Carlinhos (guiados pela mão firme de Lady Sophia) e do jeito “avacalhado” e pouco educado de Graça, uma daquelas personagens que fala tudo o que pensa e não possui o mínimo de controle inibitório. A chegada do irreverente muda a concepção de todos durante o Natal, em especial, do protagonista, e a presença no ambiente hipócrita e controlador também transforma a jovem.
Com direção de Pedro Antonio Paes e roteiro de Carol Garcia, não fosse os excessos da atuação de Gkay, influenciadora digital que é sucesso nas redes sociais, mas ainda precisa amadurecer no quesito cinema, o filme seria bem melhor. Um Natal Cheio de Graça tem vários bons momentos e seria leviano alegar que a narrativa naufraga completamente. Há muitas falhas, problemas de direção, desempenhos dramáticos teatrais quando estamos diante de uma atmosfera cinematográfica, mas comparado com a oferta de produções natalinas lançadas pelos streamings anualmente, a nossa comédia romântica brasileira não fica devendo muita coisa. Não chega a ser um Natal muito engraçado, mas há algumas passagens que merecem a nossa atenção e, por qual motivo negar, entrega como momento de entretenimento.
Um Natal Cheio de Graça (Brasil – 2022)
Direção: Pedro Antônio Paes
Roteiro: Carlos Garcia
Elenco: Gkay, Sergio Malheiros, Monique Alfradique, Vera Fischer, Diogo Defante, Gabriel Louchard, Leticia Isnard
Duração: 90 min