Lançado em 1925, O Encouraçado Potemkin, dirigido por Sergei Eisenstein, tornou-se um dos grandes ícones da história do cinema, abrindo discussões sobre sua técnica, sua forma, montagem e, com muito menos frequência, sobre o seu conteúdo, a partir de um ponto de vista histórico. Penso que demorou até demais para que se tornasse mais ou menos expressiva entre os cinéfilos a ideia de que o diretor soviético escolheu um evento real e, a partir dele, criou uma ficção instigante, uma propaganda extremamente eficiente sobre a união de um grupo de pessoas contra a opressão, um chamado à luta sob uma bandeira e um grito político-social bem definido. Um filme do realismo soviético.
Na trama, que se passa em 1905, vemos os marinheiros rebeldes do encouraçado Potemkin saírem vitoriosos, após uma união plena e inesperada com a Marinha do czar e a recepção animada e um tanto tardia da população. Mas o que de fato aconteceu? Bem, o encouraçado rumou para a Romênia, onde chegou no final do dia 7 de julho de 1905. Após alguma hesitação, os romenos concordaram em dar asilo aos Potemkinistas, se eles se desarmassem e entregassem o encouraçado. O capitão Nicolae Negru, comandante do porto, subiu a bordo ao meio-dia de 8 de julho, içou a bandeira romena e permitiu que o navio entrasse no porto interno. Esse asilo político aos amotinados foi visto como um desafio ao Império Russo. E com base nesse sentimento amarrado ao argumento central do curta, também exibindo trechos do filme de Eisenstein, é que o cineasta discute representação, propaganda e realidade histórica a partir da derivação de um sentimento artístico ao longo das décadas.
Em Os Potemkinistas, Radu Jude se equilibra entre a realidade e o mito cinematográfico. Espelhando o contexto da guerra entre Rússia e Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022, o diretor cria uma história onde um escultor planeja uma obra de arte inspirada na revolta do Potemkin, só que discutindo os aspectos históricos do evento ligados à Romênia e o que ele denomina de “a verdade por trás dos elementos fictícios do Encouraçado de Sergei Eisenstein“. No entanto, o escultor, interpretado por Alexandru Dabija, está acompanhado de uma ministra do governo (Cristina Draghici), e a conversa crítica atravessa aspectos políticos, ideológicos e estatais que vão do comunismo e da percepção “totalitária” da União Soviética, às ditaduras da burguesia capitalista disfarçadas de “liberdade para todos“. Esta segunda linha de argumento, porém, está encoberta pela discussão sobre as novas gerações, as escolhas do atual Estado romeno para a arte e as próprias questões políticas entre Rússia e Ucrânia, nominalmente citadas.
A ironia de Radu Jude em Os Potemkinistas está em esfregar essas questões na cara dos inocentes ou dos eventuais ignorantes orgulhosos, que defendem com unhas, dentes e não-argumentos a existência de uma suposta “neutralidade” nas ações ou criações artísticas humanas. O filme brinca com a propaganda política na arte, com a arte politizada, com a mudança de pensamento de uma sociedade, com as intenções da juventude e a necessidade de representar o momento presente; não necessariamente “da melhor ou ideal maneira possível“, mas de “qualquer maneira possível“. Uma interessantíssima discussão que, apesar de incompleta em parte de seu argumento; e curta demais para se estruturar com solidez em todos os lados do assunto, consegue trazer o essencial à tona com muito humor e estilo.
Os Potemkinistas (Potemkiniştii / The Potemkinists) — Romênia, 2022
Direção: Radu Jude
Roteiro: Radu Jude
Elenco: Alexandru Dabija, Cristina Draghici
Duração: 18 min.