Projeto Almanaque (Project Almanac, 2015) foi o primeiro longa-metragem do diretor Dean Israelite, que até então só tinha assinado três curtas e, dois anos depois, seria massivamente odiado por sua condução de Power Rangers (2017). Nesta ficção científica, o estreante cineasta optou por uma mescla de found footage com uma abordagem visual que traz o mesmo aspecto intenso e cheio de tremeliques de câmera típicos do gênero das “filmagens encontradas“, o que de cara afasta muitos espectadores. Nesse ponto, é possível dizer que Projeto Almanaque tem um formato pouco convidativo (muitos espectadores não suportam found footage), e sua tendência experimental torna a obra pouco objetiva na forma. Para piorar, o primeiro bloco não tem uma linha de história tão bem trabalhada pelo diretor, e os diálogos, as reações dos personagens ou até mesmo a maneira como a fotografia (desnecessariamente escura) cria a atmosfera das cenas deixa tudo com cara de filme amador. Decerto, não é um filme que começa bem.
Um dos pontos negativos centrais no estabelecimento da trama é a demora em chegar ao que realmente interessa. A captura da atenção do público é conseguida e sustentada por um interessante gancho narrativo, em cima do qual todo o enredo se ergue: a aparição de um dos personagens no espelho, em uma antiga filmagem de aniversário. É possível dizer que os primeiros momentos da fita são quase ruins e não trazem nada de muito chamativo… até que o grupo de adolescentes começa a estudar e a construir a máquina do tempo que estará no miolo e no final do drama. Os problemas estruturais que vejo no início são dissipados à medida que o texto se afunila para as viagens temporais e, melhor ainda, para os problemas causados por essas idas ao passado. A esse propósito, já vi muitas reclamações sobre a maneira como o diretor filma as viagens e como toda a concepção desses trajetos “quase não faz sentido“, mas aí entramos em uma discussão que não é exclusiva deste filme, e sim de toda ficção científica já realizada no cinema.
Cobrar de uma obra de ficção, em qualquer arte, algum tipo de exposição exatamente documental, suportada pela física, pela engenharia e por qualquer outra área do conhecimento é produto de mente sandia. O que obras com esta abordagem devem observar é a coerência de seu modelo de exposição tecnológica com a proposta que a própria trama nos traz. Evidente que isso tem suas camadas e suas particularidades de filme para filme, mas, em linhas gerais, este é o padrão. Em Projeto Almanaque, entendo que a maneira como as viagens são visualmente mostradas realmente não é interessante (e muitas vezes é bem confusa mesmo), mas o processo do uso tecnológico mostrou-se enigmaticamente coeso com o roteiro. E não há nada na história que aponte para uma necessidade de explicação do tipo “relatório científico” para esses acontecimentos. A máquina, a possibilidade de viagem, os métodos e até a melhoria portátil que David (Jonny Weston) faz no projeto do pai, caem bem à ideia geral do longa.
O elenco jovem oferece o básico para levar adiante uma trama que, convenhamos, não exige e não necessita de gigantes do drama shakespeariano. Aliás, o trio central de atores (Jonny Weston, Sam Lerner e Allen Evangelista) estão realmente bons em seus papéis. Assim como a história, eles patinam bastante no começo, mas tudo se endireita a partir do momento em que a máquina do tempo começa a ser construída, e avança bem até encontrar uma das linhas de clímax mais interessantes numa obra sci-fi sem grandes ambições. Os eventos do Lollapalooza e a cadeia de atitudes questionáveis de David, mais as mudanças na linha do tempo que o grupo provoca ao seu redor são muitíssimo instigantes e elevam o filme acima da linha da mediocridade, terminando com um gancho de respeito, num resultado solidamente bom. A discussão realizada aqui não é nova, mas é sempre pertinente, e faz o público pensar sobre paradoxos temporais, moral e ética de um trabalho em conjunto, responsabilidade diante de alguns acidentes e o infortúnio de estar preso num ciclo de ações que, não importa o que se faça, uma vez começado o processo, é impossível que “as coisas voltarem ao que era antes“. Existem experimentos que realmente nunca devem ser iniciados.
Projeto Almanaque (Project Almanac) — USA, 2015
Direção: Dean Israelite
Roteiro: Jason Pagan, Andrew Deutschman
Elenco: Jonny Weston, Sofia Black-D’Elia, Sam Lerner, Allen Evangelista, Virginia Gardner, Amy Landecker, Gary Weeks, Macsen Lintz, Gary Grubbs, Michelle DeFraites, Curry Stone, Jamila Thompson, Katie Garfield, Hillary Harley, Courtney Bowers, Patrick Johnson, Joshua Brady, Danielle Rizzo, Mychael Bates, Onira Tares, Mani Yarosh
Duração: 106 min.