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Crítica | Água Doce (2023)

Folclore, família, terra e emoções.

por Luiz Santiago
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Uma mistura interessante, e até bastante inesperada, de um contato íntimo entre primos e mais uma série de ingredientes relacionados a um ambiente compartilhado desde tenra idade, gerando memórias que ganharam formas distintas, com o passar do tempo, na vida de duas pessoas. Escrito e dirigido por Antonio Miano, Água Doce é, acima de tudo, uma narrativa fantástica costurada a uma narrativa realista de desejo. Um reencontro que faz com que dois primos que cresceram juntos e se separaram, compartilhem, depois de alguns anos, histórias de sua infância e adolescência e revivam, cada um a seu modo, certos desejos guardados.

A construção dos personagens de Jesuita Barbosa e Túlio Starling é muito boa aqui, e os atores, em representações tão diferentes de masculinidades — ambas marcadas por uma aventura e um toque dos quais nunca se esqueceram — tentam tirar do caminho o empecilho que imaginam ter nesse reencontro: João (Barbosa) tem o desejo ardente à flor da pele e quer a carne; já Pedro (Starling) tem a responsabilidade de ser pai, a lealdade à esposa e uma nova vida a considerar, com regras bem definidas a seguir. O que sairá daí? A frustração de um e o dever do outro conseguirão dialogar, de alguma forma?

Na essência, o cenário aqui é de rupturas e tentativas de religamentos. Pedro e João estão prestes a assinar documentos que colocarão parte do terreno da falecida avó nas mãos de uma usina de cana. Essa ruptura material com um espaço de vivência entre os dois, no passado, não é o bastante para impedir com que relembrem o que viveram, algo que, muito sabiamente, o diretor não nos mostra. É apenas no presente, entre a delicadeza emocional e a maturidade daquele que precisa cuidar da terra e das finanças, que se abre espaço para o ponto inesperado de Água Doce. O desejo frustrado não arreda o pé. A responsabilidade vence a primeira rodada. Mas tudo isso será coberto por um manto de fantasia. O citado religamento, do início do parágrafo. Um contato com ícones mitológicos como forma trágica de resolver impasses da realidade.

Eis que ganha vida o Universo das histórias que a avó dos protagonistas lhes contava. Histórias de terror sobre Saci, Mãe D’água e o fantasma de um tio. Histórias que aparecem em sonho para João e encaminham o filme para um final que pode dar muito o que pensar e especular. A fantasia, representada pelo folclore nacional, resiste ao tempo e ganha força, movida pelo desejo, trazendo um fervor mental tamanho que leva os dois primos a diferentes esferas de “perdição“. Ao cabo, Água Doce pode parecer hermético demais e talvez iludir o espectador com os medos e afastamentos nutridos protagonistas, mas com certeza é um curta que não irá passar batido pelo público, e que sim, vale a pena assistir.

Água Doce (Brasi, 2023)
Direção: Antonio Miano
Roteiro: Antonio Miano
Elenco: Jesuita Barbosa, Túlio Starling, Danielli Mendes
Duração: 25 min.

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