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Crítica | Lola, a Flor Proibida

Uma obra serena sobre o desejo, sua magia e suas complicações.

por César Barzine
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Um filme não muito lembrado da Nouvelle Vague lançado em 1961, o mesmo ano de Jules e Jim, de Truffaut, e Uma Mulher é Uma Mulher, de Godard. Do primeiro, compartilha o tom lírico e suave, além da ligação romântica ao passado, as reviravoltas afetivas e o cruzamento de múltiplos amantes. Do segundo, somente uma coisa: o culto à mulher. Ambas as protagonistas são dançarinas, banhadas de ternura, são alvos dos desejos afetivos dos personagens e da contemplação passiva do público. Entre esses dois polos de referências, há um terceiro lado já muito comentado: o cinema de Max Ophüls. Esse, dono de uma filmografia igualmente repleta de obras suaves e líricas, e igualmente dotada do conceito de desejo e da contemplação como norte, tem-se nítida sua influência aqui. Lola, a Flor Proibida é essa equação do cinema francês, seja por meio da influência histórica ou da conexão com a vanguarda vigente.

É um conto de fadas desencantado do mundo real. Uma versão cômica de Noites Brancas, de Dostoiévski. Na novela, um homem morre de devoção por uma mulher; já ela tem o mesmo sentimento por um amor do passado e, ansiosamente, aguarda pelo seu retorno. O homem, em Lola, é Roland, que também teve um outro relacionamento com sua amada no passado. A amada é a Lola do título, cujo primeiro amor foi Michel, seu príncipe encantado. O filme é, então, formado por essa rede de desejos e idealizações. Os dois amantes, já um pouco crescidos, tentam retornar ao idílio do passado. Lola sonha como uma donzela que espera ser resgatada por um heroico cavaleiro. Enquanto isso, Roland reencontra sua donzela, um alívio para o vazio existencial que o atordoa. Mas uma outra pessoa está em seu caminho: um marinheiro americano chamado Frankie, que também almeja e se relaciona com Lola.

Três homens para uma mesma Lola. De todos, Roland é o que “mais precisa” dela. Como dito, sua paixão não é somente um fim em si mesmo; ela é o acalento dele, a simples figura de Lola freia a melancolia e reabilita a vontade de viver daquele homem. “Todos nós temos direito ao amor“, diz ele, nessa típica frase nouvellevaguina, em plena alegria ao falar dela. Mas Lola não é um filme sobre amor, e sim um filme sobre desejo — e também sobre fantasia. O desejo, enquanto querer, é também o não-ter. A fantasia é o ornamento que se dá a esse desejo, a forma que ele toma ao ter sua idealização estimulada. O desejo de Roland, ao contrário do de Lola, está à sua frente; e, por isso mesmo, é também a sua fantasia em si. Substância e forma são as mesmas coisas aqui. Lola, como um ente real e concreto, é a fantasia por excelência: bela, sensual, encantadora, carismática e, a principal das características, inalcançável.

Ao lado da fantasia, há um aspecto farsesco no longa que destoa do romance e se alia um pouco à comédia, que é a sua parte thriller. Em alguns momentos, a narrativa sofre um intervalo para acompanharmos Roland num esquema de roubos de diamantes. O acréscimo parece não fazer muito sentido, e realmente não faz. É nada mais que uma brincadeira de gêneros como alguns outros nomes da Nouvelle Vague gostavam de fazer — e funciona aqui. Além disso, ocorre o enredo paralelo — também não muito coeso, porém ainda mais interessante — entre uma pré-adolescente que passa a conviver com Frankie. A sequência dos dois em um parque de diversões, com uma excelente câmera subjetiva e trilha sonora, é de uma beleza tão singela e adorável que remete a uma espécie de retorno a um espírito jovial, mais puro e vívido. Algo que, aparentemente, os principais adultos do filme buscam ou ao menos necessitam. O plano em slow-motion de Frankie e a mocinha saindo do carro de bate-bate é a cereja do bolo desse retorno.

A obra cresce muito na segunda metade. É  quando vemos os desejos dos personagens saltando para um nível mais avançado. Ambos têm um mesmo alvo: irem para os Estados Unidos, como se essa nova terra representasse o paraíso. Roland comete um grande sacrifício para ficar com Lola, quebra a cara com ela e retorna ao seu estágio de pobreza existencial. Sua fantasia realmente não passava de fantasia neste filme simpático, meigo e intimista. A direção e o roteiro acolhem seu protagonista para depois abandoná-lo, mas sempre mantendo abraçado seu espectador nesse conto de fadas que estimula a fantasia para escancarar a realidade.

Lola (França – 1961)
Direção: Jacques Demy
Roteiro: Jacques Demy
Elenco: Anouk Aimée, Marc Michel, Alan Scott, Jacques Harden, Elina Labourdette, Annie Duperoux, Margo Lion, Catherine Lutz, Jacques Goasguen, Corinne Marchand, Dorothée Blanck, Isabelle Lunghini, Anne Zamire, Jacques Lebreton, Carlo Nell
Duração: 87 minutos.

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