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Crítica | Sly (2023)

A melancolia do brutamontes.

por Ritter Fan
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Gostando ou não dos filmes de Sylvester Stallone, é inegável que o ator é um dos maiores ícones do cinema blockbuster americano, carregando nas costas as inesquecíveis franquias Rocky e Rambo e diversos outros longas marcados muito tiro, porrada e bomba, dentre alguns curiosamente mais sérios e até comédias. Como é razoavelmente conhecido, o ator, diretor, roteirista e produtor é uma pessoa controladora e difícil de lidar, pelo que a proposta de um documentário sobre sua vida em que sua própria empresa de produção estaria envolvida não poderia resultar em algo muito diferente do que uma obra chapa branca, autocongratulatória, que glosasse os momentos mais difíceis de sua vida.

Mas Sly, distribuído pelo Netflix, surpreende justamente por entregar uma visão melancólica, quase confessional desse famoso brutamontes de rosto paralisado desde o nascimento. Não é, de forma alguma, um documentário completo, que detalhe a vida de Stallone com talvez muitos esperassem, mas isso nem seria possível em apenas 95 minutos de projeção. Em termos de sua cinebiografia, o foco está apenas nos primórdios pré-Rocky, em Rocky – Um Lutador e suas continuações e um pouco em Rambo – Programado para Matar, pois a escolha temática do filme dirigido por Thom Zimny transcende esses aspectos mais comuns e até bastante conhecidos do conjunto da obra de Stallone, e recai no quase octogenário ator olhando para trás e tentando fazer as pazes com seu passado, tendo como pano de fundo o empacotamento dos objetos de sua mansão na Costa Oeste dos EUA, para uma mudança para a Costa Leste, levando-o de volta às origens, por assim dizer.

Zimny, especializado em documentários e videoclipes, cuida muito da atmosfera de seu longa, usando imagens quase “assombradas” das estátuas de Rocky e Rambo sendo embrulhadas para o transporte de costa a costa para enquadrar entrevistas com Stallone em que ele fala de suas escolhas, de como conseguiu sair do completo anonimato para o estrelato quase instantâneo com Rocky – Um Lutador e, daí em diante, abraçando seu lado brucutu para basicamente inaugurar uma década inteira que, cinematograficamente, foi marcada justamente por filmes de super-homens musculosos matando e/ou espancando o maior número de pessoas possível ao longo de não mais do que duas horas. Com relatos ancorados por comentários dos atores/diretores John Herzfeld e Henry Winkler, que contracenaram com Stallone em Cobra e Os Lordes de Flatbush respectivamente, além de seu irmão compositor Frank, a atriz Talia Shire, a eterna Adrian da franquia Rocky, Arnold Schwarzenegger, seu maior rival ao longo principalmente dos anos 80 e Quentin Tarantino, que destacou o pouco lembrado A Taberna do Inferno, em seu livro Cinema Speculation, o documentário consegue criar um recorte elogioso, mas ao mesmo tempo “gentilmente” crítico de Sylvester Stallone.

Mas o mais importante é o que não é falado com todas as letras. Muito do documentário – e da vida de Stallone – é marcado pela relação do astro com seu pai, Francesco “Frank” Stallone Sr., e o quanto isso moldou o próprio Stallone e, décadas depois, sua relação ou, melhor dizendo, falta de relação, com seu filho mais velho Sage, que viveu o filho de Rocky Balboa em Rocky V e que viria a falecer em 2012. Essas conexões são estabelecidas de maneira fragmentária ao longo de todo o documentário, com direito a filmagens e fotos da família em momentos importantes e o retorno a um Stallone maduro lutando para fazer as pazes com os traumas que sofreu e os que impingiu. Se é perfeitamente possível dizer que o filme foi feito para adular o ator e diretor, é igualmente possível concluir que ele serve como um momento sóbrio e até corajoso para humanizar a montanha de músculos no crepúsculo de sua vida, uma oportunidade para ele olhar para trás e compreender exatamente o quanto seu sucesso custou. Isso é que verdadeiramente separa Sly de outros documentários mais chapa branca por aí e Zimny faz enorme esforço para trazer técnica e lirismo ao seu trabalho que chega a verdadeiramente emocionar em alguns momentos.

Sylvester Stallone teve uma vida de enorme sucesso pessoal, que lhe trouxe gigantescos retornos financeiros, além de um nível de fama mundial que poucos atores alcançam e mantém e vê-lo fragilizado em Sly é um testamento de sua grandeza, de sua capacidade de suportar o peso das décadas sobre seus ombros e de desnudar-se perante seu público. Claro que o documentário poderia ir bem mais fundo e até por muito mais tempo nas feridas do brucutu, mas o característico rosto de Stallone lembrando-se de seu pai, de seu filho e de outros momentos chave de sua vida, inclusive ao conversar com a versão jovem dele mesmo em uma gravação em fita K-7, é mais do que suficiente para dizer muita coisa sem a  necessidade de detalhes.

Sly (Idem, EUA – 03 de novembro de 2023)
Direção: Thom Zimny
Com: Sylvester Stallone, Arnold Schwarzenegger, Quentin Tarantino, Frank Stallone, Talia Shire, Henry Winkler, John Herzfeld, Wesley Morris, Jennifer Flavin, Scarlet Rose Stallone, Sistine Rose Stallone, Sophia Rose Stallone
Duração: 95 min.

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