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Crítica | Doctor Who: Geração Big Bang, de Gary Russell

Gary Russell dá aula de como tornar uma mitologia pouco atraente para novos leitores.

por Rafael Lima
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Equipe: 12º Doutor, Bernice “Benny Summerfield”
Espaço: Sydney, Austrália. Pais de Gales, Planeta Bates. Colonia Espacial El Diablo
Tempo: 1934, 2015, Século 51.

Quando começou a planejar Geração Big Bang, a segunda parte das Crônicas do Glamour, que guiaram a New Series Adventures em 2015, Gary Russell pretendia trazer o encontro entre o 12º Doutor e River Song, mas foi vetado, pois o produtor Steven Moffat queria esse encontro na TV.  Moffat sugeriu que Russel usasse a grande inspiração para a criação de River; Bernice “Benny” Summerfield, surgida na linha Virgin New Adventures, e a partir dessa sugestão, o autor construiu o seu romance. Na trama, o 12º Doutor recebe um sinal chamando-o para a Austrália. Enquanto isso, no Século 51, a arqueóloga Bernice Summerfield investiga a Pirâmide Eternia, que pode conter o lendário Glamour, um dos artefatos mais perigosos do universo. Quando a Pirâmide se materializa na Sydney de 2015, o Doutor e Benny precisam se unir uma vez mais, antes que o Glamour seja liberado na capital australiana, causando destruição incalculável.

Bernice não só é uma das Companions mais queridas criadas fora da TV, como herdou o protagonismo da Virgin New Adventures quando os direitos de publicação dos livros de Doctor Who voltaram para a BBC Books. Além disso, ela foi levada para a Big Finish, onde esteve nos áudios de Doctor Who, e estrelou a sua própria série. Ao longo dos anos, a arqueóloga ganhou a sua própria mitologia, que ainda que se utilize de elementos da série mãe, existe além dela, e RusselL abraça essa mitologia com vontade. Geração Big Bang é mais uma aventura de Bernice com a participação do 12º Doutor do que o contrário, o que não é problema, pois existem ótimas tramas em que o Doutor atua como coadjuvante. Mas o livro é tão fascinado pela Lore de Bernice, que torna a obra confusa para quem não conhece as aventuras da arqueóloga e sua equipe, formada pelos mais variados tipos, inclusive o filho de Benny. De fato, a ausência de Clara Oswald na história (Companion da TV na época) aponta que o autor tem consciência de que está lidando com muitos personagens. 

Boa parte dos conflitos do núcleo de Benny não vem da trama deste livro, e sim de histórias anteriores. Tudo bem construir o drama dos personagens sobre cenários prévios, desde que eles ressoem com a narrativa da obra que estamos lendo. Mas a história que Russell apresenta soa apenas como um dia no escritório para esses personagens, pois eles estão lidando com as consequências de acontecimentos mais importantes ocorridos no passado. Se a trama fosse interessante, ao menos a falta de conexão com os personagens poderia ser compensada. Mas Russell entrega uma narrativa sem foco, e desnecessariamente complexa, com idas e voltas no tempo sem grandes motivos, e a introdução de personagens que supostamente serão importantes, mas que  não são. Há trechos interessantes envolvendo o planejamento e execução de um roubo, que remete ao episódio Time Heist, mas que está longe de ser um plot tão bem feito quanto o daquela história televisiva. Por outro lado o terço final, que assume ares apocalípticos através da destruição de Sydney por um vulcão, evoca imagens poderosas e conta sequências de ação bem escritas, gerando os momentos mais efetivos da obra.

Geração Big Bang é muito preocupado com conexões com os livros e áudios de Bernice, mas a sua ligação com Sangue Real, livro anterior das Crônicas do Glamour é ténue, na melhor das hipóteses. O Doutor diz que encontrou o Glamour antes, mas só sabemos se tratar do mesmo objeto/energia por que é dito que é, pois pelo uso que é dado aqui, poderia não ser o Glamour do livro anterior. Quanto as interações entre o 12º Doutor e Bernice, é mais uma decepção. Russell não entende o Doutor de Peter Capaldi, escrevendo-o de forma genérica, não conseguindo levar para as páginas os nuances do personagem da TV. O relato que o Doutor faz para a amiga sobre tudo o que houve com ele desde a Time War é constrangedor, por denunciar o desespero do autor em nos convencer que há intimidade entre  a dupla. Ao menos, o escritor acerta com o retrato de Bernice, que ele conhece bem, pois produziu a série de áudio da arqueóloga. Gosto especialmente dos comentários metalinguísticos que Russell faz no começo do livro, onde brinca como o fato de Benny ser uma arqueóloga, mas não aquela que você está esperando, referindo-se tanto ao fato de Bernice estar sendo usada para substituir River Song (diegeticamente inclusive), quanto á maior popularidade de River, sempre com um ar irônico e sarcástico que tem tudo a ver com a Professora Summerfield.

Geração Big Bang infelizmente é uma grande oportunidade desperdiçada. Trata-se de uma narrativa que ao tentar dividir-se entre o sci-fi cósmico, o thriller de assalto e a aventura arqueológica, acaba resultando em uma obra sem rumo, que raramente consegue transmitir alguma atmosfera para o leitor. Além disso, ao ligar o seu romance tão firmemente as aventuras-solo de Bernice, o autor exclui o leitor, criando uma história que ao invés de nos apresentar esses personagens de forma acessível, e talvez até criar interesse em nos aprofundarmos mais nas histórias de Benny, apenas nos joga no meio de dinâmicas descontextualizadas, supondo que nós as conhecemos. É mesmo uma pena que o livro seja tão bagunçado e “auto-absorvido”, pois Bernice Summerfield é uma ótima personagem, e merecia ser apresentada para um público que talvez não a conhecesse de maneira mais competente. Encerrando este capítulo do meio das Crônicas Do Glamour, sou obrigado a constatar que esse arco solto da New Series Adventures ainda não conseguiu dizer a que veio, entregando livros fracos que não chegam sequer a metade de seu potencial. Agora é torcer para que Trevor Baxendale, um autor do universo expandido que gosto bastante, e que é responsável pelo ultimo livro dessa trilogia consiga encerrar esse arco de histórias com alguma dignidade e dar a ele algum tipo de coerência.

Doctor Who: Geração Big Bang (Big Bang Generation)- Reino Unido. 10 de Setembro de 2015
Autor: Gary Russell
BBC New Series Adventures # 58
Publicação: BBC Books
240 Páginas.

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