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Crítica | Lobisomem na Noite em Cores

Monstruosidades coloridas.

por Ritter Fan
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Quem acompanha minhas críticas aqui no site sabe que eu adoro versões alternativas de filmes, seja na variedade clássica com diretores (e por vezes produtores) adicionando ou removendo cenas e oferecendo uma nova montagem, seja com modificações em tese menos significativas, com a exclusão do som na versão “Silêncio Espacial” de Gravidade ou a conversão para o preto e branco de obras originalmente em cores, como aconteceu com Mad Max: Estrada da Fúria e Logan. O lançamento da versão colorida de Lobisomem na Noite não é exatamente algo totalmente inesperado, já que o média metragem lançado em 2022 foi filmado em cores por Michael Giacchino e convertido em preto e branco para lançamento no Disney+, mas confesso que essa estratégia me fez momentaneamente voltar no tempo para a traumatizante época da moda de “colorização” de filmes clássicos que resultou no meu primeiro contato com Casablanca (sim, vi colorizado antes de ver no original e detestei o filme por isso!!!).

O objetivo da presente crítica, portanto, não é analisar os méritos da obra em si, mas sim abordar especificamente a sua versão colorida para tentar concluir se ela altera de alguma forma a experiência. Para começo de conversa, temos que lembrar que nenhum filme – ou, melhor dizendo, quase nenhum filme – tem as cores que foram originalmente capturadas pelas lentes nos sets de filmagem. Muito ao contrário, há todo um significativamente complexo e rigoroso trabalho de graduação de cores em pós-produção que tem como objetivo traduzir com a maior proximidade possível a visão do diretor e da produção como um todo. Portanto, não se trata, aqui, de um simples “vamos lançar Lobisomem na Noite colorido de qualquer jeito”, pois Giacchino e os especialistas em cores tiveram que retornar à mesa de trabalho para garantir que as cores manteriam o espírito da obra, mesmo que, inevitavelmente, resultasse em outra experiência ao espectador.

Nesse aspecto, não tenho receio algum em afirmar veementemente que as escolhas do diretor e de sua equipe foram artisticamente relevantes nessa segunda versão do média-metragem. Para começo de conversa, as cores – especialmente as primárias – ganharam em saturação, como podemos perceber no figurino de Elsa Bloodstone (Laura Donnelly) que se vale de um apropriado vermelho forte, assim como os cenários se beneficiam da intensificação do azul, de certa forma emulando, em cores, o efeito “antiquado” do preto e branco. O efeito propositalmente “artificial”, mas minucioso, dessa abordagem colorimétrica – algo que tanta gente faz hoje em dia de maneira estabanada e exagerada em quase todas as fotos que tiram com o telefone – remete ao Technicolor de priscas eras da mesma maneira que o preto e branco da versão original nos remetia aos filmes de monstro da Universal Pictures.

Com isso, as escolhas da velha guarda da produção em termos de efeitos práticos e digitais mantêm-se relevantes na versão em cores. A transformação de Jack Russell (Gael García Bernal) no lobisomem do título com o excelente uso de flashes e sombras continua com o mesmo vigor, da mesma forma que as sequências violentas continuam com a mesma força e com o mesmo objetivo de “esconder” a sanguinolência, algo que reputo acertado já que recorrer ao mero derramamento de sangue é uma saída normalmente canhestra mesmo para “filmes de monstro”. O verde forte, mas escuro, de Ted é outro acerto que é particularmente favorecido pelo contraste com seus olhos vermelhos, em um conjunto visual harmônico que só mostra o quão acertada foi a escolha de se usar um traje eminentemente prático somente com amplificações em CGI. Igualmente, a abordagem sombria da fotografia de Zoë White permanece imaculada, com a granulação digital funcionando igualmente aqui na versão em cores, com apenas o uso da luz direta ganhando talvez mais destaque proposital, notadamente na sequência em que vemos Elsa pela última vez, sentada em um cadeira no que agora é sua propriedade.

Aliás, essa era minha grande preocupação: como a passagem do preto e branco para cores, simbolizando a mudança na vida da filha do “grande” caçador de monstros, seria trabalhada. Meu receio era que o significado principal dessa alteração na versão original desaparecesse por completo, mas é aí que a iluminação direta mais potente da fotografia de White entra em cena, banhando Elsa e substituindo a entrada das cores, mas com a manutenção da mensagem. Pessoalmente, eu prefiro a transição de P&B para cores, pois acho esteticamente mais bonita (ainda que mais óbvio, se formos pensar bem), mas o mero fato de a ideia ter sido mantida já demonstra o cuidado na “colorização” de Lobisomem na Noite.

Ah, mas e o objetivo de se emular os filmes de monstro da Universal Pictures? – alguns perguntarão. Bem, especificamente isso não existe mais na versão colorida, já que é comum e natural conectar o preto e branco com essa era do Cinema. No entanto, temos que encarar o lançamento dessa segunda versão do filme como uma outra experiência e não nos agarrarmos a um aspecto somente. Afinal, da mesma forma que é perfeitamente válida a correlação da versão original de Lobisomem na Noite com os clássicos da Universal, podemos estabelecer a conexão da versão em cores com os (um pouco menos) clássicos filmes tematicamente iguais da Hammer. Afinal, como abordei acima, é fácil concluir que o uso de cores nesta segunda versão não foi aleatório e muito menos banal, tendo havido escolhas deliberadas para manter a bem-vinda aparência antiquada da obra.

Com isso, no final das contas, Lobisomem na Noite em Cores consegue ser uma versão tão boa quanto a original em termos técnicos, com uma “colorização” de primeira que não tem nenhuma conexão com aquelas abominações dos anos 80, mesmo que possamos preferir uma ou outra com base em escolhas puramente pessoais, como é meu caso que sigo preferindo a em preto e branco simplesmente por ela ser uma abordagem “diferentona” dentro do Universo Cinematográfico Marvel, algo em linha com a ainda imbatível jornada pela História da Televisão de WandaVision. Dito isso tudo, por mais que eu aprecie versões alternativas de filmes (até as equivocadas, nem que seja para eu xingar muito, não é George Lucas?), bem que a Marvel Studios podia investir mais em suas “Apresentações Especiais”, especialmente dentro do rico “monstroverso” dos quadrinhos que tem à sua disposição, no lugar de somente oferecer versões alternativas do que já fez.

Lobisomem na Noite em Cores (Werewolf by Night in Color – EUA, 20 de outubro de 2023)
Direção: Michael Giacchino
Roteiro: Heather Quinn, Peter Cameron (baseado em história de Heather Quinn)
Elenco: Gael García Bernal, Laura Donnelly, Harriet Sansom Harris, Kirk R. Thatcher, Eugenie Bondurant, Leonardo Nam, Daniel J. Watts, Al Hamacher, Carey Jones, Jeffrey Ford, Rick Wasserman, Richard Dixon, Erik Beck
Duração: 53 mim.

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