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Crítica | A Queda da Casa de Usher (2023)

Mike Flanagan com Allan Poe.

por Felipe Oliveira
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Marcando seu projeto de despedida no acordo de vários anos com a Netflix, Mike Flanagan retorna para inspiração de contos góticos para imprimir seu estilo de contar histórias de terror da mesma forma que iniciou com sua série inaugural, baseada no romance de Shirley Jackson, dessa vez, se inspirando na literatura de Edgar Allan Poe. Diferente das primeiras adaptações, Flanagan usa o conto de A Queda da Casa de Usher como uma sala principal que interliga outros contos de Poe, assim, a série limitada funciona como uma coletânea das obras do autor gótico, reunindo num encadeamento narrativo várias de suas histórias criadas, porém, longe de ser uma adaptação pensada para ser fiel ao seu autor, mas, talvez, essa seja uma das adaptações mais distantes e ainda criativa sobre os contos de Allan Poe.

Flanagan trata os contos, poemas e romance de Poe como referências ao seu estilo de trabalhar o terror psicológico, e isso de maneira alguma é um fator negativo – talvez para quem gostaria de ver mais das características de Poe – pois The Fall of the House of Usher entrega mais uma abordagem consistente, um adeus divertido, ao que Flanagan firmou ao longo de suas produções com a Netflix. A estrutura semelhante ao que foi vista em The Haunting of Hill House — além da fotografia azulada que carimba o olhar o frio e melancólico do cineasta —, está presente, mas, desde o primeiro momento, parecia que Flanagan se permitiu a fazer uma subversão de sua identidade, o mais próximo que veríamos de Ryan Murphy se baseando em Succession para criar sua versão de American Horror Story sobre uma família disfuncional encontrando o terror numa premissa adaptada de Stephen King, porém, é só o Flanagan se levando a sério até quando é caricato.

Mesmo quando soa como uma autoparódia ao permitir elementos diferentes a sua abordagem, Flanagan ainda surpreende pelo equilíbrio de manter a história interessante numa decupagem familiar. Há um melodrama ridículo e consciente, e o texto bebe o tempo todo de longos diálogos que se misturam com os poemas de Poe e novamente grita para parecer relevante e ácido ao tecer comentários políticos e à hipocrisia elitizada, mas indo além da comparação óbvia da dinastia em Succession, A Queda da Casa de Usher tem sua personalidade ao ser caricata e manter por perto reflexões existenciais e conflitantes em um clima de luto e o cumprir de uma predestinação punitiva em ação. O que Flanagan faz aqui é prender a curiosidade para o antes e depois dos eventos que levaram a anunciada “queda” do título e entregar um resultado inesperadamente sádico. 

Talvez, até a cena final do segundo episódio da série limitada, tudo indicava que The Fall of the House of Usher se contentaria em ser um drama sobre uma dinastia com sugestões para o terror, porém, Flanagan mostra um lado diferente do que vem trabalhado: uma violência grotesca, batidas melodramáticas e a magnífica presença de Carla Gugino interpretando uma entidade sobrenatural que garante o fim da linhagem Usher com um jogo psicótico recriando o inferno de escolhas que o levaram até ali. Com sequências longas que remete a um slasher sobrenatural, se o final cruelmente divertido com a chuva ácida foi uma boa amostra ao que Flanagan espalhou ao longo dos oito capítulos, a sequência com espelhos verdes coroa a criatividade das cenas em ver a queda de uma dinastia ser perversa e cômica, quase que reduzindo a camada existencial, como se não importasse mais já que ver a inevitável ruína dos Usher era a cereja do bolo.

Embora seja até menos Flanagan toda vez que vemos as máscaras que compõem a bizarra família Usher, o cineasta imprime os traços de Poe na presença de Auguste Dupin e na estética, como se fosse um tema para cada um dos episódios que recebe os nomes e interconecta os contos — além de citações de poemas, como de Annabel Lee — e isso veste a série com uma composição chamativa além das cores frias que referenciam a estilização habitual de Flanagan enquanto o drama, os extensos monólogos e os caos que acompanha essa família não parece realmente importar quando estamos vendo uma espécie de novo conto narrando o fim de uma dinastia, o acerto de contas após anos de impunidade. O que torna a minissérie um entretenimento cômico de terror — além de Gugino — são as performances de Willa Fitzgerald e Mary McDonnell interpretando fases diferentes da implacável Madeline Usher superando as versões destoantes de Roderick Usher — e o que dizer de Flanagan tentando recriar um momento de Annalise Keating com McDonnell tirando parte da peruca de sua personagem?

Com menos terror psicológico que Flanagan costuma entregar, a participação imprescindível de Gugino é um lembrete do que tem funcionado durante esses anos de colaboração em projetos diferentes: mesmo caricato, a hipnotizante Venna é o lado de Flanagan que não queria se despir totalmente da sua seriedade com o terror, de ser desconfortável, dramático, um pesadelo reflexivo da existência humana, nem que seja numa família disfuncional finalmente experimentando o inferno do império farmacêutico que criaram. Não temos aqui uma adaptação à estranheza, ao gótico e inquietante universo das histórias de Allan Poe, mas temos Flanagan em seu estado mais morno no que poderia fazer com o terror.

A Queda da Casa de Usher (The Fall of the House of User – EUA, 2023)
Criação: Mike Flanagan
Roteiro: Mike Flanagan
Direção: Mike Flanagan, Michael Fimognari
Elenco: Carla Gugino, Bruce Greenwood, Mary McDonnell, Zach Gilford, Willa Fitzgerald, Mark Hamill,  Henry Thomas, Rahul Kohli, Samantha Sloyan, T’Nia Miller, Michael Trucco, Katie Parker, Matt Biedel, Crystal Balint, Ruth Codd, Kyliegh Curran, Carl Lumbly, Kate Siegel, Sauriyan Sapkota, Paola Núñez, Malcolm Goodwin, Daniel Jun
Duração: 493 min (8 episódios de 60 a 70 min cada).

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