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Crítica | Dracul: A Origem de Um Monstro, de Dacre Stoker e J. D. Barker

Manuscritos e relatos ficcionais embasam as origens de um dos monstros mais icônicos da literatura.

por Leonardo Campos
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Uma forte tendência mercadológica no campo do consumo de entretenimento é abrir fendas em espaços que já se encontram em amplificação. Este é o caso de Drácula, romance epistolar do escritor irlandês Bram Stoker. Depois de sua publicação em 1897, o livro passou por diversas traduções para o cinema, em especial, os ciclos da Universal e da Hammer, além de numerosas produções fora do circuito dos grandes estúdios. Transformada em quadrinhos, novelas, letras de música, peças teatrais e séries televisivas, o universo do mais icônico vampiro da história literária também encontrou desdobramentos no turismo, nos vastos estudos acadêmicos focados em interpretar as suas estruturas. Neste processo, temos uma longa tradição de reconto de sua história, com idas e vindas cronológicas entre o que pode ou não ter acontecido antes e depois do que é descrito nas páginas tecidas pelo profícuo pesquisador Stoker, responsável por amalgamar lendas, documentos e uma volumosa fonte de informações para tornar o seu vampiro o definidor desta curiosa mitologia. Outra estratégia, contemplada em Dracul: A Origem de Um Monstro, é a perspectiva dos trechos da obra não trazidas para a versão final publicada no final do século XIX.

Depois de seu desgaste na cultura midiática, o que podemos contemplar sendo contado que tenha alguma dose de novidade? É o que veremos neste livro, escrito por Dacre Stoker, integrante da árvore genealógica da família Stoker, detentor dos espólios do criador de Drácula, e J. D. Barker, popular escritor de histórias de suspense dos Estados Unidos. Juntos, eles apresentam para os leitores uma trama envolvente, apesar de longa e ligeiramente cansativa, sobre a infância de Bram Stoker, associando a ficção com trechos do romance que não foram inseridos na versão final que conhecemos. O resultado é uma publicação luxuosa no quesito editorial, interessante no ponto de vista literário, mas, como já mencionado, só um tanto longa demais e, nalgumas passagens, monótona, carecendo de um tom mais sintético para manter o leitor com maior aderência. Num era de excesso de informações e dispersão constante, o livro conseguiria mais adeptos se fosse, digamos, mais direto ao ponto.

E, para o leitor que pode achar que há um tom de preguiça em quem vos escreve, ressalto, sou das Letras e apaixonado pela lógica do “mais”. Quanto mais texto e mais informação, melhor. Mas aqui, devo dizer, “menos poderia ser mais”, pois há passagens que se alongam demasiadamente, estragando a possibilidade de energizar o potencial literário do livro. Há, no entanto, uma história fascinante, tecida com envolvimento, em especial, nas suas primeiras páginas. Espécie de prequel de Drácula, mergulhamos numa trama cheia de lendas, superstições, fusão eficiente de ficção e realidade, corajosa iniciativa dos autores que mexem em um universo clássico e, por isso, correm o risco de fazer bobagem. Mas isso não acontece. Ambos constroem, com qualidade, um enredo que gira em torno de uma pergunta norteadora: e se Bram Stoker tivesse encontrado com um vampiro de verdade? E se a sua família tivesse se envolvido na caça por uma destas criaturas?

Na empreitada de resposta para estes questionamentos, o livro se desenrola ao longo de suas 432 páginas, bela edição traduzida por Marcia Blasques, integrando o Selo Minotauro da Planeta do Brasil, editora que capricha na pintura das páginas e na diagramação do material para tornar a longa experiência de leitura mais atrativa. Ao recriar o enredo do romance Drácula, entrelaçando elementos mitológicos com a história do autor, temos em Dracul: A Origem de Um Monstro o estabelecimento de uma atmosfera gótica surpreendente. Acamado na infância por diversos problemas de saúde, acompanhamos Stoker como personagem, mergulhado no mistério em torno de sua babá de comportamento suspeito, numa batalha para entender seu entorno juntamente com a sua irmã, Matilda, figura ficcional bem estruturada pelos autores, perspicaz e dinâmica, num diálogo interessante para uma representação feminina, geralmente relegada ao ostracismo em narrativas do tipo. Entre passado e presente, acompanhamos a jornada do moço em sua juventude frágil e sua batalha com uma criatura da noite na vida adulta.

Quem seria essa criatura? Drácula? É preciso ler e mergulhar nesta narrativa gótica para compreender bem a proposta. O desfecho traz um clima de inconcluso que pode incomodar aqueles interessados em desenvolvimentos cíclicos mais amarrados, mas ainda assim, satisfaz. Munido de alho, água benta, cruzes de demais aparatos da mitologia vampírica, Bram Stoker aqui assume a posição de guerreiro e luta com todas as suas forças contra o estabelecimento da energia monstruosa de um vampiro tão dominador quanto a criatura da noite que centraliza os tenebrosos momentos de sua obra-prima. Com as anotações de diários, documentos de pesquisa e trechos suprimidos do livro de 1897, os autores tecem a narrativa com muitas movimentações temporais, requerendo do leitor uma atenção redobrada para se manter imerso dentro da cronologia em quebra-cabeça da publicação de 2018, lançada no Brasil também no mesmo ano. Como Drácula ainda é um personagem tão recorrente na cultura contemporânea, protagonizando minissérie do streaming Netflix e tendo capítulos específicos de seu livro transformados em filmes, como A Última Viagem do Deméter, curioso ainda não terem traduzido estas origens para um suporte narrativo diferente. Potencial, caro leitor, é o que não falta. Vamos aguardar.

Dracul: A Origem de Um Monstro (Dracul, 2018)
Autor: Dacre Stoker, J. D. Barker
Editora: Planeta do Brasil
Tradução: Márcia Blasques
Páginas: 432

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