- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais volumes.
Mesmo faltando ainda 42 edições para chegar ao final, tenho plena confiança de que Saga será um dia lembrada como uma das grandes obras de ficção científica da Nona Arte, quiçá de qualquer gênero. E essa não é uma impressão de hoje, vale dizer, pois há muito tempo venho percebendo a impressionante consistência da criação de Brian K. Vaughan e Fiona Staples em todos os quesitos, seja na história cativante que tem como pano de fundo o clássico Romeu e Julieta, com personagens originais – protagonistas, antagonistas e secundários – muito bem construídos, seja a arte de fazer o queixo cair que é capaz de literalmente trazer à vida um universo vasto, diverso, mas coeso e belíssimo mesmo quando é feio. É uma gigantesca e ousada ópera espacial que encontra poucos paralelos em sua mídia.
No entanto, isso não quer dizer que essa monumental e ambiciosa criação seja sem defeitos, até porque seria quase que literalmente impossível exigir perfeição de uma obra desse tamanho e que já está no ar há mais de 10 anos, contando o longo hiato de três anos a partir de sua metade. Depois de seu retorno em 2022 que não só alterou radicalmente o status quo da história sendo contada, confirmando de vez a morte trágica de Marko (quem não achou que haveria um twist aí, não é mesmo?), como também a forma como a HQ passaria a ser lançada, com um arco de seis edições por ano e não mais de forma continuada (Vaughan, na edição #66, promete aumentar o número por ano, mas acho isso complicado de acontecer, pois mexeria na estrutura e tamanho dos arcos), o trabalho de Staples na arte ficou ainda mais afiado, se é que isso era possível, mas o de Vaughan começou a mostrar uma leve fadiga, mesmo que o Volume Dez tenha sido excelente.
Mas, olhando em retrospecto depois da leitura do Volume Onze, essa fadiga fica mais clara, com a narrativa ganhando talvez fragmentação demais que vem da clara separação dos núcleos principais, ou seja, deixando Alana, Hazel e Squire isolados de um lado e seus inimigos, notadamente O Querer e Gwendolyn, mas também Gale, além de seus aliados, em “cápsulas” bem definidas, mas desconectada. Isso é bastante evidente no 11º arco, objeto da presente crítica, que começa seis meses depois que a Árvore-Foguete, lar de Alana e de seus filhos, é destruída, deixando-os isolados no planeta onde estavam e vivendo em estado de quase total mendicância, com as crianças tendo que pedir esmolas e comer comida de lixeiras e a mãe trabalhando como empacotadora na versão deste universo da Amazon (e vocês sabem o que isso significa). A fluidez da leitura se perde um pouco quando as edições são quase que autocontidas focando em primeiro lugar, claro, na trinca principal com espertas pistas falsas sobre a possível ressurreição de Marko (impossível não ver Vaughan se deleitando com essa “tortura” em seus leitores), mas dedicando outras ao ex-caçador de recompensas e agora amante de Gwendolyn com sua filha adotiva Sophie e à caçada inclemente de Hazel por Gale, o que o coloca no caminho de Ghüs e Upsher em uma virada de jogo muito bem bolada, ainda que narrativamente inserida em um pós-clímax que retira um pouco do efeito do que Vaughan e Staples quiseram fazer.
Afinal de contas, trabalhando linhas narrativas paralelas na melhor escola de Star Wars, a dupla criativa entrega uma edição #65 (a penúltima) absolutamente irretocável em que eles lidam com uma ameaça à Hazel e Squire – com direito a uma radical mudança no pequeno príncipe – ao mesmo tempo em que levam Alana a finalmente encontrar um caminho para fora do planeta onde estão presos e a um excepcional embate entre a estupenda Petrichor em busca de vingança e O Querer auxiliado por Gwendolin que leva a um encerramento que mais uma vez tira a vida de um inocente. A edição seguinte, que fecha a Volume Onze, não só não conseguiria levar a um fim tão eficiente quanto esse, como acaba desapontando um pouco ao trabalhar Gale, Ghüs e Upsher em um embate de mentes sem dúvida interessante, mas também sem dúvida deslocado e que teria ficado melhor em um momento anterior ou como o começo do arco seguinte.
Saga, por melhor que seja – e o trabalho de Vaughan e Staples continua do mais alto nível – precisa levar seus personagens a uma convergência efetiva mais uma vez, pois o tratamento deles em bolhas quase que completamente independentes cria a sensação de claudicância, de falta de desenvolvimento e de uma tentativa de esticar a história para além do que ela deveria ir. Não se enganem, pois foi enormemente prazeroso ler o Volume Onze, mas o caminho desse retorno da série depois do hiato ainda parece mais disperso do que deveria ser, criando pontas que arriscam esgarçar a “intimidade expansiva” do universo criado. Mesmo assim, digo e repito que, quando tudo finalmente acabar, Saga estará no Panteão da Nona Arte!
Saga – Volume Onze (Saga – Volume Eleven – EUA, 2023)
Contendo: Saga #61 a 66
Roteiro: Brian K. Vaughan
Arte: Fiona Staples
Letras: Fonografiks
Editora (nos EUA): Image Comics
Datas originais de publicação: 25 de janeiro de 2023 (#61), 22 de fevereiro de 2023 (#62), 05 de abril de 2023 (#63), 10 de maio de 2023 (#64), 21 de junho de 2023 (#65) e 20 de setembro de 2023 (#66)
Editora (no Brasil): Editora Devir (provavelmente)
Data de publicação no Brasil: não publicado na data de lançamento da presente crítica
Páginas: 191