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Crítica | Nosferato no Brasil

Um olhar curioso para o mito vampírico pelo viés tropicalista.

por Leonardo Campos
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Uma das missões de textos paródicos é buscar a dessacralização em seu ponto de partida. Parricida, a paródia mata o texto pai e gera sua própria estrutura, dando um novo olhar para algo já considerado “acabado”. É o que acontece com Nosferato no Brasil, lançado em 1972, período bastante peculiar para a cultura brasileira, mergulhada num tenebroso contexto político, com produções artísticas clamando por resolução dos tópicos presentes nas pautas sociais. Ivan Cardoso, na época bastante jovem e inexperiente, já tinha colaborado com Rogério Sganzerla no icônico (e cômico) Sem Essa, Aranha. Privilegiado por circundar espaços de intensa movimentação cultural, o idealista cineasta ainda incipiente frequentava rodas de conversa com cidadãos do naipe de Caetano Veloso e sua turma, delineando para si algumas características que demarcaram o seu cinema repleto de experimentalismo.

Assim, Nosferato no Brasil não é exatamente uma narrativa de horror para integrar, com tanta aproximação, o mesmo espaço dos textos vinculados ao legado e impacto cultural de Drácula, a obra-prima do irlandês Bram Stoker. Mas, possui conexões. É uma narrativa com média de 26 minutos focada na passagem do personagem símbolo do cinema expressionista alemão em paisagens tropicais brasileiras. Lançado em 1922, Nosferatu: Uma Sinfonia de Horror foi dirigido por F. W. Murnau e, hoje com seu status de clássico, atravessou a polêmica do processo judicial que quase o extinguiu, pois a viúva de Stoker questionou legalmente a não autorização para adaptação do romance Drácula, base do roteiro, com algumas mudanças. Alguns anos antes de Werner Herzog assumir a refilmagem também alemã de 1979, Ivan Cardoso concebeu a sua avacalhada leitura para a história de terror, inserindo doses generosas de erotismo e comicidade.

Curioso observar que Nosferato no Brasil, propositalmente ou não, é uma narrativa da “década de Drácula”, período profícuo para as traduções cinematográficas do romance em questão. Por aqui, no entanto, a atmosfera gótica aterrorizante é deixada de lado para que o vampiro interpretado pelo poeta Torquato Neto circule pelo território carioca, em plena luz de um sol escaldante, em busca de mulheres incautas para saciar a sua sede de sangue. O “monstro”, por sua vez, não se alimenta apenas da substancia que é combustão para a vida, mas também da sensualidade das jovens que lhe servem como alvo. Totalmente consciente do projeto que estabeleceu durante as suas filmagens em Super 8, Cardoso flerta com materiais de origem clássica, sem medo algum de cometer sacrilégios. Sua postura é ousada e irreverente, não menos crítica e divertida.

Escarnecedor, Nosferato no Brasil é demasiadamente espontâneo e traz o seu vilão na abertura a digladiar com um príncipe em Budapeste. Não demora, é temporariamente aniquilado. Desperta muitos e muitos anos depois, saindo da perspectiva em preto e branco para pavimentar um caminho em cores fortes, acompanhados por cartelas que emula a linguagem do cinema não sonoro, no qual o filme de Murnau se estruturou quando realizado. Na intensidade dos espaços urbanos da capital do Rio de Janeiro, o vampiro passa pelos ambientes com a sua enorme capa preta, adotando um estilo gótico totalmente desconectado com a realidade. Ele romanceia, atrai e depois ceifa a vida das suas vítimas incautas.

Acoplado numa seara experimental, também conhecida como Cinema Marginal, a criatura da noite aqui é pura espontaneidade.

Nosferato no Brasil (Brasil– 1972)
Direção: Ivan Cardoso
Roteiro: Ivan Cardoso
Elenco: Torquato Neto, Scarlett Moon, Helena Lustosa, Daniel Más
Duração: 26 min.

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