Home QuadrinhosArco Crítica | Doctor Who: Segredos Oficiais

Crítica | Doctor Who: Segredos Oficiais

O 9º Doutor visita a era UNIT e viaja ao Brasil Colônia.

por Rafael Lima
549 views

As primeiras histórias da mensal do 9º Doutor da Titan Comics foram divertidas no geral, ainda que os roteiros de Cavan Scott apresentassem tramas um pouco sem foco, e dependentes demais do fator nostalgia. Felizmente, o segundo encadernado da série, Segredos Oficiais, que reúne mais dois arcos da revista mensal, apresenta uma grande melhora em relação às primeiras histórias. A seguir, seguem as críticas dos dois arcos que compõem esse encadernado.

.

Segredos Oficiais

Equipe: 9º Doutor, Rose, Jack, Tara (+ UNIT, Brigadeiro Lethbridge Stewart, Sargento Benton, Harry Sullivan)
Espaço: Reino Unido
Tempo: Anos 1970 (ou será 1980?)

Segredos Oficiais, assim como a maioria dos arcos iniciais dessa série do 9º Doutor, propõe uma história com peso nostálgico, ao trazer o Time Lord de Christopher Eccleston em uma aventura na Era UNIT. Na trama, ao ir aos anos 1970 para capturar o rapaz transformado em uma gárgula ao fim de Transformed, o 9º Doutor, Rose, e Jack, topam com uma operação da UNIT, que investiga o surgimento de enormes monstros por toda a Inglaterra, que desaparecem logo após os ataques. Ao mesmo tempo, a UNIT enfrenta uma campanha de difamação dentro do governo britânico, que questiona a sua capacidade de proteger o planeta.

 Diferente das histórias anteriores da série, senti que este arco articula bem os aspectos nostálgicos da trama com a história que quer contar. O espírito da Era UNIT se mistura bem com elementos típicos da era do 9º Doutor. A história é cheia de pequenos, mas valiosos insights de personagem, como o Brigadeiro Lethbridge Stewart reconhecendo o trauma de guerra do Doutor; ou Jack impressionado com a forma como a UNIT trabalha, em um foreshadowing de como ele iria tentar conduzir Torchwood, outra organização de defesa do universo de DW. O texto amarra bem os elementos da história, e ainda que a costura entre um bloco narrativo e outro dê os seus tropeços, a trama é conduzida de modo cativante, levando a um clímax visualmente impactante, com um grande ataque de kaijus gerados pela mente de uma criança, e onde até mesmo a Gárgula que o time da TARDIS foi procurar, ganha o que fazer.

 A arte é da brasileira Adriana Melo, que sabe dar dinamismo as passagens de ação propostas pelo roteiro. Os desenhos são especialmente competentes no retrato das diversas criaturas que surgem no arco, dando peso e personalidade a esses monstros. O traço mais cartunesco dos personagens de fundo, que me incomoda em alguns trabalhos da artista já funciona melhor aqui, devido ao tom solar da história, além de que Melo entende os momentos mais dramáticos em que os personagens precisam de mais detalhes. Segredos Oficiais cumpre a proposta de prestar uma homenagem afetuosa para a Era UNIT sem perder de vista o desenvolvimento da narrativa que está contando. Além disso, o arco apresenta uma nova companheira para o 9º Doutor na figura de Tara Mishra, uma jovem enfermeira militar da UNIT, que assume um papel central na resolução do conflito, e que fascinada com o estilo de vida do Time Lord, pega carona na TARDIS como clandestina.

.

A Canção do Escravista

Equipe: 9º Doutor, Rose, Jack, Tara
Espaço: Brasil
Tempo: 1682

A Canção Do Escravista segue o gancho do arco anterior, que viu Jack encontrar na sede da UNIT uma pintura dele vestido de padre datada do Século XV. A TARDIS chega ao Brasil colônia de 1682, onde os viajantes topam com bandeirantes portugueses escravizando membros da Tribo Tupi, para a revolta do Doutor e dos companions, mas o conflito é interrompido quando eles descobrem que pessoas têm sido atacadas por criaturas das águas. Os viajantes então se separam, com Rose e Jack indo investigar o passado do Capitão na São Paulo colonial, enquanto o Doutor e Tara caçam o monstro na desagradável companha de um bandeirante.

 É interessante ver uma trama de Doctor Who situada no Brasil, especialmente pela presença de brasileiros na equipe criativa da revista desde a primeira edição. O cenário que o roteiro adota, retrata não só a história de nosso país, mas da América Latina em geral, explorada pelos europeus desde que puseram os pés por aqui, e que teve os povos originários como maiores vítimas. O texto explora bem o nojo do Time Lord diante do cenário de escravidão, que justifica a visão pouco lisonjeira que o 9º Doutor muitas vezes tem da nossa espécie. Da mesma forma, o arco funciona como uma jornada de aprendizado para Tara, que que descobre que viajar no tempo significa poder mudar as coisas só em uma escala micro. Aliás, o roteiro toma uma decisão acertada ao enviar Jack e Rose em uma sidequest para dar mais espaço para o leitor conhecer a nova companheira e a sua dinâmica com o Doutor, um cuidado que nem sempre é tomado com os novos Companions.

 O roteiro se vale do nosso folclore ao reimaginar os mitos de Iara e Ipupiara como alienígenas aquáticos com poderes hipnóticos, que cansados dos modos escravistas de seu povo em relação à outras espécies, se refugiam na Terra, apenas para encontrarem mais escravocratas. A presença dessas criaturas gera boas cenas de ação aquáticas, muito bem ilustradas por Adriana Melo, e o desfecho do arco, que traz o Doutor e Iara tendo que agir para impedir a invasão do povo da sereia alienígena traz um momento de dilema moral interessante, onde o protagonista só pode tomar a decisão menos errada, em mais um choque de realidade para a nova Companion sobre o significado de viajar na TARDIS.

 O arco se encerra com o Capitão Jack decidindo deixar a TARDIS por um tempo para descobrir mais sobre o seu próprio passado, quando descobre ao lado de Rose, que pode ter matado um homem inocente em seu tempo como um agente do tempo. A decepção de Rose com essa descoberta sobre o passado do amigo (que inclusive leva Jack a se afastar para poder merecer o seu lugar na TARDIS) é um aspecto bastante promissor desse subplot, e espero que seja bem trabalhado nas próximas histórias da série. Além disso, a decisão de não trabalhar com um time Full TARDIS, especialmente quando temos uma companheira original como Tara Mishra é provavelmente a melhor escolha.

A coletânea Segredos Oficiais é uma grande melhora em relação a primeira coletânea das histórias do 9º Doutor da Titan Comics. Temos dois arcos com características bem distintas; que conseguem explorar novas dinâmicas com os regulares da era do 9º Doutor, ao mesmo tempo em que entrega o sabor familiar de uma aventura da UNIT, e uma trama pseudo-histórica, que articula a ficção científica e o folclore latino-americano para construir uma metáfora anticolonialista. Torço para que o próximo volume das aventuras da série mantenha a boa qualidade apresentada aqui.

Doctor Who: Segredos Oficiais (Official Secrets) – Reino Unido. 18 de outubro de 2017
Publicação Original: Doctor Who: The Ninth Doctor: 06-10
Editora: Titan Comics
Roteiro: Cavan Scott
Arte: Adriana Melo
128 Páginas

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais