Em sua abertura, Convite Maldito apresenta uma cuidadosa construção de atmosfera, nos permitindo entender que ao longo dos próximos minutos, um clima gótico de horror sobrenatural vai dominar a tela e, por meio dos recursos dramáticos e estéticos, nos deixar presos ao desenvolvimento narrativo. Tais expectativas são frustradas ao passado que o filme avança, mas os resultados ficam acima na média, na linha daquelas produções que consideramos satisfatórias. Após seu preâmbulo sustentado por um clima envolvente e assustador, o filme ainda mantém seu tom fantasmagórico, com toques de empoderamento feminino e muitas referências ao legado e impacto cultural de Drácula, a obra-prima do escritor irlandês Bram Stoker.
Dirigido por Jessica M. Thompson, cineasta que toma como guia o roteiro de Blair Butler, Convite Maldito teve a maior parte de suas cenas rodadas em Budapeste, cenário ideal para o clima estabelecido pelo filme, mergulhado nas belezas e mistérios peculiares da Hungria. A trama foca na jornada da jovem artista Evie (Nathalie Emmanuel). Ela trabalha como freelancer em paralelo com suas produções de escultura. Inquieta, constantemente sonha com situações tenebrosas que não consegue explicar, em especial, com a falecida mãe, memória que lhe deixa sempre muito saudosa. Os seus dias são mais aconchegantes quando se comunica com a grande amiga Grace (Courtney Taylor). Juntas, elas vão entrar em pesquisas sobre curiosidades envolvendo DNA e arvore genealógica da família. Assim, Evie culmina no tal convite amaldiçoado do título.
Ao fazer o teste, a protagonista é informada sobre o seu parentesco com Hugh Alexander (Hugh Skinner), um primo distante, situado no Reino Unido. Após uma proposta, ela é convidada para uma festa de casamento onde conhecerá todos os demais personagens consanguíneos. É quando a narrativa sai do território estadunidense e segue para Whitby, especificamente, na Abadia de New Carfax. Lá, é recepcionada por Walter Ville (Thomas Doherty) e a governanta Sra. Swift (Carol Ann Crawford), personagens que ressaltam o clima nebuloso que traz desconforto, uma sensação estranha entre insegurança e mistério. Ao se instalar, Evie amplifica os seus momentos oníricos que parecem querer lhe revelar o quão perigoso foi aceitar este trajeto. E, ainda sobre o romance de Stoker, temos aqui referências ao conde, ao assistente Renfield, dentre outras menções interessante do clássico publicado em 1897.
O local, mesmo com sua intensidade gótica que pode repelir o ser humano mais medroso é, sem sombra de dúvidas, esplendoroso. O reforço do design de produção de Felicity Abbott, juntamente com os figurinos luxuosos trajados pelos personagens da realeza local, setor assinado por Danielle Knox, reforçam que ali é um espaço de muito estilo e nobreza. Um lugar de nobres sanguinários, como nós saberemos logo no primeiro ato, mas ainda assim, cheio de beleza. Neste ambiente de poder, a trama vai se desenvolvendo com as descobertas da protagonista, uma mulher negra mergulhada num ambiente de pessoas brancas, algo que Jordan Peele já tinha nos alertado em Corra. A dinâmica entre a personagem principal e sua amiga, por sinal, é muito parecida com a proposta deste genial clássico moderno.
Dentre as primeiras situações estranhas percebidas por Evie, temos o sumiço de mulheres funcionárias, vítimas abatidas para a sede de sangue dos vampiros. Logo, ela descobrirá que é parte dos planos de Walter, um homem sedutor, sempre potencializado em cena pela direção de fotografia assinada por Autum Eakin, proprietário poderoso que pretende torna-la uma de suas noivas, juntamente com as damas Lucy (Alana Boden) e Viktoria (Stephanie Corneliussen). Assustada, mas com garra, a personagem precisará lutar contra um exército de vampiros se quiser sair do lugar com algum resquício de humanidade. Neste processo, ao longo dos 100 minutos de Convite Maldito, podemos contemplar situações sobre empoderamento feminino, questões raciais, dentre outros tópicos contemporâneos, numa narrativa acima da média que poderia alcançar um nível de intensidade maior, mas se mantém confortável no básico.
Ah, boa parte da equipe técnica é formada por mulheres. Uma proposta louvável.
Convite Maldito (The Invitation, EUA/Hungria – 2022)
Direção: Jessica M. Thompson
Roteiro: Blair Butler
Elenco: Nathalie Emmanuel, Thomas Doherty, Sean Pertwee, Hugh Skinner, Carol Ann Crawford, Alana Boden, Stephanie Corneliussen, Tian Chaudhry, Courtney Taylor, Scott Alexander Young, Virág Bárány
Duração: 100 min.