Criado em 2006, Jaime Reyes é o terceiro personagem da DC a assumir o manto de Besouro Azul nos quadrinhos. Existem diferentes versões para sua história de origem, tanto nas HQs quanto em adaptações audiovisuais, mas todas com algo em comum: um garoto mexicano se depara com um escaravelho super tecnológico que se une a seu corpo, levando o jovem comum para aventuras extraordinárias. Tive meu primeiro contato com o personagem em suas aparições nas histórias dos Jovens Titãs no final dos anos 2000, sem nunca realmente me chamar a atenção em seu conceito pra lá de genérico e meio pastiche do Homem-Aranha, mas o personagem ganhou uma repaginada interessante na excelente segunda temporada de Justiça Jovem, que explora a simbiose do herói e as origens alienígenas do escaravelho.
Quando uma adaptação cinematográfica do personagem foi anunciada, confesso que fiquei com receio que o aspecto genérico encrustado na criação do personagem fosse levado para as telonas, mas fiquei curioso com a oportunidade de vermos o primeiro blockbuster de super-herói estrelado por um latino. Com algumas mudanças bem pontuais em relação aos quadrinhos, a origem do personagem não muda muito em linhas gerais, com Jaime Reyes (Xolo Maridueña) sendo um mexicano pobre que está tentando ajudar sua família em difíceis condições e perigo de despejo por conta da expansão das indústrias Kord, liderada por Victoria Kord (Susan Sarandon), acidentalmente se unindo ao escaravelho Khaji-Da (voz de Becky G) quando se encontra numa situação atrapalhada com Jenny Kord (Bruna Marquezine).
A partir daí, o roteiro de Gareth Dunnet-Alcocer abusa de muitos elementos convencionais para estruturar uma história clichê sobre família e amor que tenta cheirar a amadurecimento e autodescoberta em alguns momentos, tanto com Reyes quanto com Jenny. É meio difícil não revirar os olhos para alguns diálogos bregas sobre o poder da família – alô, Vin Diesel? -, mas o texto faz um esforço agradável em torno das dinâmicas cômicas e carinhosas dos parentes do protagonista, com destaque a um elenco simpaticíssimo composto por Damián Alcázar, Adriana Barraza, Elpidia Carrillo, Belissa Escobedo e George López. Nossa querida Bruna Marquezine também faz um bom trabalho se incorporando nas dinâmicas familiares e construindo química com Xolo Maridueña.
Alguns estereótipos são bem utilizados para efeitos cômicos, como o tio maluquinho com López, a melhor vovó do mundo com Barraza e uma família sem medo de constranger nosso herói, com o desenho da aventura integrando a família de Reyes na ação muito mais do que imaginei, tanto para bem quanto para mal. Em termos dramáticos, temos um evento que carrega um peso sentimental no segundo ato do longa-metragem, ainda que delineado por uma certa apelação emocional que não gosto. Inclusive, a produção tem características novelescas em seus exageros de comoção e algumas reviravoltas cretinas, sejam tais momentos construídos propositalmente ou não pela direção de Ángel Manuel Soto. No cômputo geral, porém, a produção faz um bom trabalho em conectar a audiência com Reyes e sua família, principalmente pelo lado das risadas.
Mas claro que isso tem um limite de valor, já que simpatia está longe de ser sinônimo de especial. Cenários relacionados a família e comunidade são comuns em histórias latinas, vide Viva e Encanto para dar exemplos recentes, mas Besouro Azul tem uma dificuldade imensa de agregar atributos culturais que possam trazer estofo à narrativa. Temas como gentrificação, imperialismo e a Escola das Américas são apresentados, mas pouco desenvolvidos numa representação longe de almejar o impacto de algo como Pantera Negra, por exemplo. A comparação pode ser injusta, até porque a produção quer ser mais leve do que densa, mas é notável a superficialidade do roteiro do filme.
Também fiquei incomodado com o descarte da ficção científica ao longo da narrativa, seja a falta de aproveitamento dos efeitos da simbiose, seja as origens alienígenas do escaravelho que só servem para contexto. Não ajuda o fato de termos dois antagonistas horrivelmente clichês, num desperdício dos talentos de Susan Sarandon em uma maniqueísta empresária do mal, e nos músculos pouco interessantes de Carapax (Raoul Max Trujillo). O que segura um pouco a indiferença com os vilões são as sequências eficientes de Ángel Manuel Soto, com uma parte do filme mais voltada para efeitos especiais e cenas áreas empolgantes, e outra parte voltada para o combate corpo-a-corpo com boas coreografias num estilo que me lembra tokusatsus. O cineasta está longe de trazer um trabalho de câmera e imagético excepcional, mas é um diretor competente quando o entretenimento é ligado, se beneficiando da fluidez de uma trama objetiva.
Besouro Azul é tão genérico quanto parece ser, mas tem seu charme. A produção se encosta num roteiro confortável em seus clichês e representações familiares, o que traz diversos deméritos, como a rasa parte temática, péssimos vilões e uma narrativa cheia de batidas previsíveis, mas o filme sabe ser simpático com as suas divertidas cenas de ação e as ainda mais divertidas participações do núcleo familiar de Reyes, sendo que Xolo Maridueña tem um carisma natural para nos fazer apreciar seu personagem convencional. Ainda assim, é inegável que o longa nunca sai do lugar-comum. Se estiver buscando um passatempo completamente esquecível, talvez seja uma experiência que valha a pena assistir. No entanto, num mundo cinematográfico fadigado de heróis, ser “só mais um” na multidão não me parece ser a melhor escolha.
Besouro Azul (Blue Beetle) – EUA, 17 de agosto de 2023
Direção: Ángel Manuel Soto
Roteiro: Gareth Dunnet-Alcocer
Elenco: Xolo Maridueña, Bruna Marquezine, Adriana Barraza, Damián Alcázar, Raoul Max Trujillo, Susan Sarandon, George Lopez, Elpidia Carrillo, Belissa Escobedo, Becky G
Duração: 127 min.