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Crítica | The First Slam Dunk

Deixando tudo na quadra.

por Kevin Rick
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Como disse na crítica do primeiro volume do mangá de Slam Dunk, sou tanto um fanático por basquete quanto um fã de carteirinha de animes/mangás, mas, curiosamente, só agora estou descobrindo a fundo o universo basquetebolista japonês de Takehiko Inoue. Por conta disso, fiquei com receio de assistir o super bem-sucedido longa-metragem da franquia, The First Slam Dunk, já que a produção, na contramão do que o título indica, é uma sequência do último arco do material de origem, adaptando a explosiva partida entre Shohoku High e Sannoh High. No entanto, mesmo ficando por fora de algumas referências ou culminações de arcos dramáticos dos personagens, o filme funciona muito bem de forma individual para os telespectadores de primeira viagem, nos carregando por um jogo inesquecível!

A primeira escolha da produção que salta aos olhos é a mudança de protagonismo, deixando o ruivo esquentado Hanamichi Sakuragi como coadjuvante e colocando Ryota Miyagi como foco principal, ainda que, claro, todos os jogadores da equipe Shohoku tenham seus próprios holofotes. De início, é um pouco estranho ver essa mudança de dinâmica e o desenvolvimento avançado de vários personagens que acabei de começar a conhecer no mangá, mas o roteiro de Inoue é inteligente em suas formas de recontextualização e apresentação de personagens já bem desenvolvidos, o que torna a experiência dos novatos mais orgânica e a dos veteranos, imagino eu, bem nostálgica.

A forma que Inoue encontrou de trazer essas informações narrativas é bastante comum e conhecida: flashbacks. Como todo o filme se passa durante o jogo (uma escolha corajosa, que falo mais à frente), os flashbacks são menos artifícios e mais obrigações na obra, o que me deixou apreensivo nas primeiras edições do passado com Miyagi. Não sou exatamente fã da ideia de a cada jogada um jogador relembrar de todo o seu passado, dores e sacrifícios, podendo ser muito fácil de cair numa montagem apelativa e expositiva de sentimentos, com o flashback servindo mais como facilitador dramático do que um artifício verdadeiramente inteligente de se contar uma história.

Felizmente, Inoue sabe como driblar isso, com uma intercalação bem-composta entre os backstories e os momentos do jogo, com o passado sempre servindo para potencializar um momento dramático na quadra e não apenas para despejar informações. Acredito que a produção faz isso melhor com Miyagi que, por conta de sua posição de armador, precisa ser uma espécie de arquiteto na quadra, com todos os seus flashbacks recontando a história de Slam Dunk da sua perspectiva, de como enxerga seus colegas e suas habilidades, de como potencializar um talento específico ou explorar uma brecha como líder com a bola laranja nas mãos. Inoue é bem engenhoso na maneira como conecta dramas pessoais com o jogo em si.

E é justamente neste ponto que eu queria chegar: o jogo. Algo que me frusta bastante em obras de esporte é a falta de importância dada para a vibração que é assistir, torcer e participar de um jogo de esporte, com muitas obras do gênero dedicando apenas alguns minutos de atenção para as partidas. Claro que existem propostas diversas, com algumas produções preferindo os bastidores ou o entretenimento como foco, mas Inoue está muito interessado no jogo de basquete. Em uma transição absurda das páginas de mangás para a cadeira de direção, o cineasta faz um trabalho magistral no que concerne às composições visuais de uma partida e como inserir a audiência em tempo real nas jogadas de basquete.

Começando pela animação, a produção mescla 3D com 2D com uma fluidez que ainda não tinha visto, dando características de rotoscopia ao filme, mas sem perder a mobilidade e sem ficar visualmente estranho, como normalmente acontece nesse tipo de mistura. Fiquei particularmente impressionado com o realismo, desde os movimentos dos tecidos dos uniformes, do suor constante nos jogadores, da naturalidade de deslocamentos corporais e principalmente a expressividade de muita força nas enterradas. O design de som também merece aplausos na forma como conduz a atmosfera com muita atenção para detalhes, passando pelo som dos tênis na quadra, da bola fazendo “chuá” e as batidas dos dribles, muitas das vezes intercalando momentos em que esses sons ficam ao fundo para efeito de ambientação ou então são isolados para efeito dramático.

Inoue se aproveita do alto valor da produção para transpor seu belíssimo trabalho com senso de movimentação em suas diagramações para uma mídia onde não existem amarras, capturando o jogo com muita versatilidade e diversidade, seja em movimentos mais dinâmicos da correria e fintas na quadra, em uma visão panorâmica de uma jogada e de ângulos de câmera do ponto de vista dos personagens ou do chão para enfatizar a gravidade de uma enterrada. Claro que o realismo é quebrado aqui e ali com algum jogo de câmera mais selvagem, mas esses momentos também servem de maneiras bem pontuais para enfatização cinética, em especial o delirante desfecho do jogo.

Mas, talvez, o ponto mais interessante da produção seja o olhar estratégico de Inoue para o esporte e seu esforço em capturar isso na animação. Vou dar uma de nerd de basquete, então se preparem. Notem, por exemplo, como os armadores estão sempre controlando o tempo do jogo e tecendo as jogadas, bem no estilo John Stockton, ou então como temos jogadores em posições bem definidas, com especialistas em arremessos de três, pivôs grandões e dois alas que assumem os papéis principais de pontuadores dos times – o Kaede Rukawa é basicamente um All-Star. Mais bacana ainda é como Inoue resgata o basquete dos anos 90, com dois big mans na quadra, jogadas em triângulo e jogadores concentrados no garrafão, algo bastante diferente da Era de Três Pontos da NBA atual com times espaçados e de menor estaturas. Até a forma desengonçada que pivôs arremessam está retratada na obra!

Assisti o filme todo com um sorrisão bobo de fã de basquete, em pura satisfação com o cuidado de Inoue com o trash-talk, os jogos psicológicos, as jogadas clássicas de costas para a cesta ou de transição à la Showtime Lakers, e várias outras características que fazem do basquete um belíssimo esporte. Existe tanta paixão nesse projeto pela forma que o jogo é jogado, como é sentido e como é artístico que é inacreditável, com o maior destaque sendo a maneira como Hanamichi Sakuragi é basicamente um Dennis Rodman contagiante em quadra, inclusive com uma sequência que espelha uma jogada famosa do ala pivô que fazia de tudo para ganhar em equipe. No fim, o investimento dramático com os personagens é tão grande e a euforia com a captura do jogo é tão magistral que me peguei vibrando e torcendo como se estivesse vendo um jogo 7 da final da NBA, com um game winner no último segundo de deixar qualquer telespectador em delírio. Esqueci que estava vendo um filme e só pude respirar para dizer: Ufa, que jogo é esse!

The First Slam Dunk – Japão, 2023
Diretor: Takehiko Inoue
Roteiro: Takehiko Inoue
Elenco: Shugo Nakamura, Jun Kasama, Shin’ichirō Kamio, Subaru Kimura, Kenta Miyake, Maaya Sakamoto, Ryota Iwasaki
Duração: 124 min.

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