Ainda que seja difícil conquistar um lugar nas categorias no Oscar, é notável que o terror e seus subgêneros vêm experimentando um empolgante momento nos cinemas. Um dos pontos que enfatiza isso é que, de franquias – como nos recentes Pânico VI e Halloween Ends – a ideias originais – a exemplo de Sorria -, a boa bilheteria indica que o público tem abraçado esses filmes. E se outrora a polêmica sanguinolenta de Terrifier 2 jogaria o longa no esquecimento, o que faz alarde hoje é sinônimo de tendência. Por isso, tantas ideias, mesmo as mais inusitadas, têm mostrado um índice maior de curiosidade, ou até de aceitação por parte da audiência; o que, bem, faz qualquer coisa surgir nesse caminho de boa maré.
Depois que caiu em domínio público, a famigerada história do Ursinho Pooh se tornou um dos frutos desse atual momento do terror, tanto que não demorou muito para uma versão distorcida do conto ser anunciada. Sendo que a própria Disney, que deteve por décadas os direitos do personagem, tem seu modelo de subversão de conto de fadas com Encantada, não chega a ser novidade que queiram dar uma nova visão para o ursinho amarelo de blusinha vermelha, porém, há algo provocativo quando esse prisma é trazido pro horror, tornando-se divisor, quase profano para os mais saudosistas – e até para os problematizadores de plantão – ao vestir uma conhecida narrativa infantil com um tom sombrio.
Seria interessante dizer que o diretor e roteirista Rhys Frake-Waterfield quis pegar as leituras interpretativas características da criação de A. A. Milne, como o transtorno por mel de Pooh e o medo constante de Leitão e jogar numa conjectura às avessas, porém, talvez o maior mérito do cineasta britânico seja em criar um cenário mórbido, movido pelo gore gráfico de suas cenas, já que a inversão de sua premissa não consiga atingir nem mesmo uma proposta trash, e sim ser levado a sério com a fraca ideia de transformar o Ursinho Pooh em um vilão do slasher em um horror sangrento, misturado com mel e cenas mal filmadas.
Na sua síntese subversiva – o que trouxe um cuidadoso traço de animação narrativa, vale ressaltar -, Waterfield transforma a doce amizade entre Christopher Robin com Pooh, Leitão e Ió em um conto raivoso de vingança depois que Robin deixa seus amigos no Bosque dos Cem Acres para cursar a faculdade, o que os fazem ir contra todo ser humano que se aproxime da região. Olhando pra sua abertura, as inspirações de Waterfield não deixa de remeter a Pânico na Floresta, só que, ao mirar no (de longe) filme mais bem-sucedido da saga, o cineasta consegue idealizar um resultado pior do que qualquer sequência da franquia dos canibais das montanhas. Também, é perceptível traços de Sexta-Feira 13 na estranha concepção de Pooh ou como um temido monstro dos bosques, ou como um serial killer.
Dessa forma, Winnie the Pooh é como um derivados do slasher que tentaram aproveitar a era pós-Pânico na virada dos anos 2000, porém, seria mais um dos títulos chamativos de uma videolocadora, prometendo um terror genérico e entregando um resultado aquém de qualquer que fosse sua intenção. Certo que a produção é de baixo orçamento, mas, se a caracterização de Pooh e Leitão deixa claro que há dois homens trajando uma espécie de máscara e luvas amarelas borrachudas, por que não criar um slasher-paródia com assassinos vestidos como os conhecidos personagens? Mas como além de querer ser levado a sério, o filme de Waterfield é mais do um conto subversivo: é um slasher em live-action!
Das muitas inspirações, Waterfield pegou um dos tropos mais controversos do subgênero, deixando seu longa com as piores interpretações. Se o objetivo era fazer de Christopher Robin um final boy, por que perder tempo “desenvolvendo” um background traumático para uma personagem feminina pintada como protagonista e que não seria final girl? Poderia ser só uma escolha por inversões aqui, mas Robin é a única figura masculina no elenco regular do filme, enquanto todas as vítimas, com direito a nudez, são mulheres. Repleto de referências e zero originalidade, uma sequência do gore de mel do Ursinho Pooh e com a promessa de orçamento maior já está em produção. O que mais Waterfield faria se tivesse os direitos autorais para outros personagens liberados?
Ursinho Pooh: Sangue e Mel (Winnie the Pooh – Reino Unido, 2023)
Direção: Rhys Frake-Waterfield
Roteiro: Rhys Frake-Waterfield
Elenco: Nikolai Leon, Maria Taylor, Natasha Rose Mills, Amber Doig-Therme, Danielle Ronald, Natasha Tonisi, Paula Coiz, May Kelly, Craig David Dowsett, Chris Cordell
Duração: 84 min.