Quando se trata de trabalhar com terror e televisão é uma combinação que pode ser lembrada como um marco ao gênero que se propõe ou pelo fiasco de tentar ser alguma coisa. A não ser que a premissa seja original, é comum séries do horror quererem chamar a atenção do público com tropos conhecidos do cinema, e se a empreitada é um thriller de mistério, a TV americana já tem seu formato muito bem desenhado para fazer nada mais do que uma bola de neve over e repleta de teorias que se estendem por longos episódios e temporadas – a exemplo de Manifest. Sabendo que Lost conseguiu um efeito único na história da TV, seria no mínimo apelativa se os criadores também envolvidos na série de J.J Abrams quisessem fazer de From uma “nova” Lost, porém, com toques de terror.
E From tem muito de Lost: drama, mistério, ficção científica, mas fazendo do seu principal gênero um conto existencial de terror. Embora Wayward Pines compartilhe também das semelhanças com a imbatível série que começou com um acidente de avião, Origem parece querer ir bem mais longe do ficar na sombra inegável do que Damon Lindelof e Abrams fizeram, mesmo que esbarrando constantemente em detalhes que remetem a isso, como por exemplo o complexo de decisões opostas entre o xerife protagonista Boyd (Harold Perrineau) e o padre (Shaun Majumder) sobre a punição contra quem desobedece às regras da misteriosa cidade funcionar de maneira mais interna a série do que as discussões universais que rendiam entre Jack, “o homem da ciência” (Matthew Fox) e Locke, “o homem de fé“.
Apesar de beber também da estrutura narrativa de Lost, há um ponto que a torna intrigante quando poderia ser só vista pelos paralelos de ser uma atração derivada. Ao contrário do mocinho e bússola moral exercida por Jack, o protagonismo de Boyd carrega o dilema de ser um anti-herói tentando conduzir uma cidade com ordem. O diferencial disso está na potente performance de Perrineau, depois, em como ele acredita no personagem, o que torna isso rapidamente atraente para o público em entender o mistério. Essa característica era mais evidente quando seu personagem ficava em segundo plano enquanto os coadjuvantes ganhavam destaque, e quando o foco voltava para Boyd, fazia lembrar do posto assumido por ele na série, e quase como um sentinela da cidade presa em um loop em que as leis da natureza não se aplicam, mas funcionava como uma espécie de punição para seus moradores.
Inicialmente, Jack Bender, diretor dos primeiros episódios, se aproveita muitíssimo do aparente mistério que acomete o pedaço de lugar decadente na América; ora como uma cidade experimentando uma lenda sobrenatural toda vez que o sol se põe, sendo devorada por criaturas demoníacas, depois, apenas mais um show que chama atenção pelas promessas de seu mistério. E Origem sabe tirar o melhor proveito disso, entregando doses certeiras do terror visual que iniciou, em seguida se aproximando do terror psicológico e dos fenômenos da fantasia e ficção científica. Obviamente, o que quer que John Griffin e Jeff Pinkner estivessem bolando só faria sentido numa segunda temporada, mas para um ano de estreia, havia elementos o suficiente para prender a atenção e tornar a série um entretenimento pelos tropos de mistério e suspense que investia.
Nesse sentido, não é como se Pinkner e Griffin fizessem de From um exemplo de mistério imperdível ao brincar com a receita, e sim, que criaram uma série intrigante de terror que transita entre outros gêneros. Também intrigante é o drama existencial em torno dos personagens que de alguma forma estão tentando sobreviver aos seus pesadelos: de um lado, o povo da cidade, moradores que optam viver civilizadamente, cumprindo os bons preceitos (irem a igreja, confraternizarem) pelo bem da comunidade, de outro, o povo da casa da colina, os moradores hippies que vivem intensamente regados a bebidas e sexo. Enquanto lidam de maneiras diferentes com a mesma “condenação”, a questão maior é se haverá de fato “uma volta para casa”, para a normalidade de suas vidas antes de caírem em um lugar que não compreendem. E se a família Matthews não seja lá a base para guiar o drama como deveria – com exceção de Ethan e Tabitha -, Kenny, Donna e Sara conseguem preencher as lacunas de personagens inspirados.
Conforme o prisma das comparações vão passando, Origem (From) passa a ser vista pelos próprios paradoxos e mistérios criados por sua trama. E nas melhores intenções, o trabalho feito por Griffin e Pinkner é semelhante a Lost, porém, escrito pela mente de Stephen King ao idealizar um terror dramático traçando um paralelo sobre punição, culpa, luto, mágoas e arrependimentos e que não vai parar até criar um inferno de teorias de muitas perguntas e poucas respostas em sua cabeça.
Origem – 1ª Temporada (From – EUA, 2022)
Criação: John Griffin, Jeff Pinkner
Direção: Jack Bender, Brad Turner, Jennifer Liao, Jeff Renfroe
Roteiro: John Griffin, Javier Grillo-Marxuach
Elenco: Harold Perrineau, Catalina Sandino Moreno, Eion Bailey, Elizabeth Saunders, David Alpay, Ricky He, Scott McCord, Shaun Majumder, Chloe Van Landschoot, Simon Webster, Avery Konrad, Hannah Cheramy, Corteon Moore, Pegah Ghafoori
Duração: 10 episódios (45 a 53 min, cada)