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Crítica | Warramunga 1856

Um mistério sobrenatural anunciado.

por Luiz Santiago
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Publicada na revista Alter Alter (antiga Alter Linus) em março de 1977, esta história é uma pequena pérola de Sergio Toppi sobre ações corriqueiras de crimes cometidos por homens brancos (e colonizadores/exploradores) em contato pela primeira vez com forças poderosas que desconhecem e estupidamente desafiam. Antes de falar especificamente do enredo, porém, é importante fazer um contexto histórico para esta aventura. Warramunga é um grupo de aborígines australianos do Território do Norte, que passaram a ter contato mais frequente com os europeus a partir da década de 1850. Em um século de interação com os invasores do Velho Continente, os Warramunga (também chamados de Warumungu) passaram de uma próspera e bem integrada nação de nativos, para um grupo em luta constante contra a dispersão, a aculturação e a fome.

Na presente aventura, Sergio Toppi nos mostra dois irmãos que roubaram uma mina de ouro (a prospecção foi realmente um dos motivos que trouxeram a danação para muitos grupos nativos da Austrália e para o meio ambiente local — o padrão de qualquer lugar explorado predatoriamente por suas riquezas naturais, diga-se de passagem) e durante sua fuga, encontram-se com um velho aborígene. Este homem repete, ao longo de toda a caminhada ao lado da dupla, uma única frase: “eu sou Talaualla, a serpente“. A frase funciona como uma palavra mágica, um comando que identifica o desejo dos irmãos, e realiza-o. Como se trata de uma história curta, não há muito tempo para desenvolver os personagens e sua relação com esse velho aborígene, mas o que o autor coloca em cena já é o bastante para nos engajar e nos fazer entender o que de fato está em jogo.

É impressionante o quanto um artista consegue comunicar através de uma arte expressiva, detalhista, e que guia o olhar do leitor para aquilo que é importante. Em Warramunga 1856, nos deparamos com um cenário de escassez, de fuga de criminosos e de possibilidades de redenção que são desperdiçadas e, consequentemente, punidas. A surpresa que temos no quadro final acaba sendo ainda maior porque serve como resposta para as muitas indagações a respeito do misterioso nativo que acompanha esses indivíduos nada amigáveis. Podemos até pensar em um protetor local ou em uma entidade julgadora, mas também em uma ideia de mistério oculto (sobrenatural) que os indivíduos que chegavam àquele território apenas na esperança de levar embora as riquezas da terra não estavam preparados para encontrar.

Warramunga 1856 canaliza as problemáticas políticas, sociais e econômicas trazidas para a região pelos colonizadores europeus e as fazem desaguar no lado pessoal, nos labirintos da alma. É como um aviso importante, mas propositalmente ignorado, tendo consequências desastrosas como resultado. Vemos nessa trama uma camada de justiça divina em meio à maldade de dois seres humanos. Acho muito interessante quando os aspectos realistas da nossa vivência são costurados de maneira orgânica ao lado oculto e inexplicável da existência. Nesta publicação de 1977, Sergio Toppi faz essa costura com a habilidade de um explorador de territórios, ideias e espíritos. O resultado não poderia ser outro além de uma obra-prima.

Warramunga 1856 (Itália, março de 1977)
Originalmente publicado em: Alter, Alter – Ano IV, nº3
Roteiro: Sergio Toppi
Arte: Sergio Toppi
No Brasil: Editora Figura (Coleção Toppi – Vol.4: África e Oceania, 2022)
Tradução: Paulo Guanaes
15 páginas

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