O escritor e produtor Troy Howarth tem uma longa história de paixão pelo terror no cinema. Durante a adolescência, publicou suas primeiras críticas de filmes na seção de cartas da revista Fangoria, e o gosto pela literatura do gênero fez com que ele, ainda na faculdade, começasse o projeto de seu primeiro livro, The Haunted World of Mario Bava, que seria lançado originalmente na Inglaterra, em 2002. Após a recepção positiva do livro, uma boa relação do autor com a Midnight Marquee Press começou a se configurar, e em 2015, surgiu um fruto notável dessa parceria, intitulado So Deadly, So Perverse: 50 Years of Italian Giallo Films: Volume 1 – 1963-1973, o primeiro de três volumes onde o autor explora o gênero giallo através de uma compilação extensa de filmes, críticas e artigos de apoio sobre aspectos históricos e estéticos do gênero.
É um projeto fartamente ilustrado, trazendo cenas dos longas-metragens, cartazes, fotos de bastidores, de atrizes, atores, diretores, escritores e produtores em diferentes contextos. O maior número de imagens, porém, são de cartazes dessas obras, especialmente na segunda, maior e menos interessante parte do volume, exclusivamente dedicada às críticas do autor. Após um prefácio que contextualiza a pesquisa e produção do livro, temos um ótimo texto (O Que é o Giallo?) escrito pelo mestre Ernesto Gastaldi, onde ele dá a sua versão para o que é o gênero, como ele se configura e o que se enquadra nessa classificação. Não é um texto com o qual eu concordo inteiramente, mas é uma ótima visão sobre o estilo, escrita por um dos grandes roteiristas de filmes dessa escola.
Contudo, para um leitor que não sabe nada a respeito do giallo, eu não indicaria a leitura. Alguns caminhos teóricos aqui me parecem bem mais interessantes quando lidos por já iniciados, especialmente quando falamos das críticas de Troy Howarth, de sua justificativa para não colocar alguns longas na lista (para ele, Os Passos e A Breve Noite das Bonecas de Vidro não são gialli, algo do qual discordo) e pelas classificações plurais, exceções e variações ao gênero que são feitas. Penso que isso pode confundir e atrapalhar um pouco o entendimento de pessoas que estão chegando agora ao giallo. Em adição isso, faltam aqui algumas ideias básicas de onde devemos partir para discutir essa escola: a ideia de que para ser giallo precisa ser um filme europeu; a ideia de que é necessário um assassinato e/ou um mistério sanguinolento a ser investigado ou desenvolvido; e a ideia de que as mortes precisam obedecer a uma estética impactante, com muitas cores, assassino oculto em pelo menos uma parte da obra, uso de luvas (especialmente de couro), armas brancas e pitadas de elegância gótica.
É verdade que este é um gênero com inúmeras variações e ideais sobre o que se pode classificar como giallo (no fim das contas, todos os gêneros são assim), entretanto, é preciso partir de um ponto básico ou amplamente aceito para podermos desconstruir ou adicionar variações. Afinal, não dá para desconstruir algo que ainda não foi construído. E por falar em construção, o artigo mais valioso do livro (O Giallo Italiano da Página para a Tela) nem é de Troy Howarth, mas de Roberto Curti, que faz uma excelente cronologia do nascimento do termo giallo na literatura — através das publicações da editora Mondadori — e vai atrás das raízes das publicações de terror, mistério e drama gótico do século XIX, avançando até os anos 2000, falando das novas gerações de escritores policiais na Itália, das adaptações para o cinema (a parte mais chatinha do artigo, e diria, pouco necessária) e das mudanças de perspectiva para o giallo literário no decorrer das décadas.
Antes da parte final do volume, apenas dedicado a críticas que raramente podemos classificar como boas, o autor fala um pouco sobre filmes que não são gialli, mas que inspiraram o gênero, servindo de protótipo temático e, algumas vezes, até estilísticos. É um bloco bem interessante para construção de uma ideia geral de produção e pensamento a respeito do estilo. Obras pré Segunda Guerra, como Za-La-Mort (Emilio Ghione, 1915), L’uomo Dall’artiglio (Nunzio Malasomma, 1931), Il Caso Haller (Alessandro Blasetti, 1933), Il Treno Delle 21,15 (Amleto Palermi, 1933) e Giallo (Mario Camerini, 1934) servem como ponto de partida para a pesquisa e entendimento de como esse tema apareceu inicialmente nas grandes telas italianas.
A divisão esperada vem logo a seguir, quando o autor cita Obsessão (1943) e vasculha as outras raízes influenciadoras do giallo e do krimi alemão, como Dr. Mabuse, o Jogador (1922) e M, o Vampiro de Dusseldorf (1931). Também fala da influência dos suspenses de Alfred Hitchcock, de O Pensionista (1926) até Psicose (1960); do peso que tiveram os filmes de Henri-Georges Clouzot, com O Assassino Mora no 21 (1942), Cartas Anônimas (1943) e As Diabólicas (1995); e por fim, como o filme noir estadunidense, a primeira fase do polar francês e o gótico cinematográfico tiveram o seu papel na criação do que se consideraria, a partir do longa A Garota que Sabia Demais (Mario Bava, 1963), o giallo na Sétima Arte.
Como um livro de referência, 50 Anos de Giallo Italiano em Filmes é uma preciosidade. Mesmo em caso de muitas discordâncias com a classificação de filmes, como é o meu caso em relação a certas escolhas do autor, há muitos elementos importantes e interessantes que podem trazer novidades ao leitor, espectador e estudioso do gênero, ajudando também a repensar algumas ideias preconcebidas. Na parte das críticas, há pouco a se tirar de importante, mas em alguns casos, a pesquisa que o autor faz sobre os bastidores e a produção dos filmes lança luzes necessárias para o nosso entendimento da obra, de modo que, em última instância, também é uma parte que vale a pena, a despeito de as discussões críticas propostas serem rasas e, na maioria das vezes, resumirem-se a sinopses estendidas.
50 Anos de Giallo Italiano em Filmes: Volume 1 – 1963 – 1973 (So Deadly, So Perverse: 50 Years of Italian Giallo Films: Volume 1 1963-1973) — EUA, março de 2015
Autor: Troy Howarth
Artigos que compõem o livro: Ernesto Gastaldi, Roberto Curti
Editora original: Midnight Marquee Press, Inc.
240 páginas