Há uma abordagem fugaz com toques de realismo na maneira com que Enxame é apresentada em seu primeiro episódio, principalmente, o que envolve as ações da protagonista Dre, vivida por Dominique Fishback. Ao mesmo que articula uma sátira num terror psicótico e existencial, a série criada por Donald Glover e Janine Nabers sinaliza ao telespectador que a peça não se trata de uma ficção, e que qualquer semelhança com pessoas reais, é intencional. Tendo como foco a retratação de fandoms tóxicos de artistas da cultura pop, acompanhamos a trajetória sombria e violenta que Dre traça pelo ídolo favorito. Através da personagem, há a representação dos inúmeros comportamentos e tendências atrelados aos fandoms, o que explica a forma desligada, conflitante e reclusa de Dre — que, até em conversas, seu argumento é recitar letras da chamada Ni’Jah.
Não precisa ir muito longe para perceber a artista principal com qual Enxame faz seu paralelo, contudo, é genial como Glover e Nabers conseguiram tratar de um tema atual e relevante reproduzindo acontecimentos reais, refletindo isso em Dre, um símbolo, mas também uma personagem que tem sua história contada e pede por empatia em meio às suas contradições. E quando a série avisa que tudo é intencional, isso está contido também em seu título que faz alusão ao fandom de Ni’Jah, Swarm, porém, se tratando da figura real ao qual se inspira, tudo nos leva a Beyhive, ou nas histórias divulgadas online por seus fãs; fanfics, rumores infundados…
Qualquer olhadinha nas redes sociais não é difícil observar as proporções extremas assumidas por um fandom quando o assunto é o seu artista pop. E no caso de Swarm, analisa um fanatismo e obsessão que é capaz de matar por um ídolo. Ao esboçar uma sátira que é ácida e também sensível — nas suas linhas mais tortas —, Nabers e Glover abordam o que é a obsessão nas mãos de alguém fragilizada, carente de afeto e conexões como Dre, que via em Ni’Jah a ponte de ligação com quem mais importava em sua vida. Contudo, para uma atração que diz não ser ficção, Dre é o ponto mais extremo de um fandom e sua história é real ou temos uma metáfora que se relaciona com a realidade, mas não em sua tonalidade? Se acabar ao menos o episódio inicial de Enxame e a reação for de pesquisar o que é fato ou dramatizado, a série atingiu um dos seus objetivos, sendo esse de cutucar mais um aspecto atual: a era da pós-verdade.
Há uma ironia pesada nisso, quando a série diz ser baseada em eventos reais, eventos esses tirados de rumores relacionados a Beyoncé. Indo além de criticar comportamentos de fandoms pelas redes sociais, Swarm vai afundo, se aproveitando de relatos bizarros divulgados online envolvendo os fãs fascinados e seus ídolos. Por um lado, essa abordagem pode ser vista como tendenciosa, porém, espelha de alguma forma uma realidade da cultura virtual. Se passando entre 2016 a 2018, a série vai trazendo ligações com casos ocorridos no mesmo período — desta vez reais —, como quando Halsey afirmou “pareço uma garota branca, mas sou uma mulher negra” ou na polêmica do caso envolvendo Allison Mack e a seita sexual NXIVM, e nisso, traduz os acontecimentos para a narrativa, funcionamento para o desenvolvimento de Dre e sua relação com a violência, traumas e obsessão.
Entre um caso e outro, a dupla de criadores foi costurando elementos reais como comprovação do estilo que vai empregando na série, e no exemplo do NXIVM, houve uma adaptação narrativa, representação da comunidade e lugar, mas ainda assim, concentrando os líderes da seita na figura interpretada por Billie Eilish. Dessa forma, Enxame faz seu retrato da “realidade” de mais um crime real dramatizado na história de Dre, e que no contexto, a trama mira em discutir como é para a personagem a paixão cega que nutre por uma cantora pop. Com um tom sarcástico ou não, Glover e Nabers foram utilizando o que foi notório na internet em prol da narrativa da personagem central, que transita entre uma fã obcecada para uma serial killer.
Há momentos com aspectos do slasher, em outros, um drama que se transforma num terror psicológico, e entre as semelhanças com Atlanta, Enxame faz valer suas intenções. O que temos é uma atração que busca provocar diferentes sensações com um humor desconcertante, uma atmosfera densa e melancólica que ilustra a perspectiva de sua protagonista — o que entra o zumbido de abelha em sinal dos gatilhos emocionais da personagem — e está o tempo todo mexendo com linguagens narrativas — como o episódio no formato true crime — para tornar a experiência de assistir sempre incômoda e ambígua.
Swarm, sem dúvidas, é uma sátira que tece críticas diretas ao universo idealizado pelos fãs aos seus ídolos, mas também, funciona como uma análise de personagem ao colocar a obsessão como um desesperado e perigoso escape de suprimir traumas e carências. Episódios como o primeiro, penúltimo e último resumem bem a trajetória que Dre vai se afundando, na busca vazia pelo pertencimento, da atenção — como o exemplo da fanfic como maquiadora — da autorrealização expressadas numa performance brilhante de Fishback. De vários ângulos e gêneros, há mais para ver aqui do que sarcasmo aos fandoms do Twitter.
Enxame – 1ª Temporada (Swarm – EUA, 2023)
Criação: Donald Glover, Janine Nabers
Direção: Adamma Ebo, Ibra Ake, Donald Glover, Stephen Glover
Roteiro: Donald Glover, Karen Joseph Adcock, Janine Nabers, Malia Obama, Ibra Ake, Stephen Glover, Jamal Olori
Elenco: Dominique Fishback, Chloe Bailey, Nirine S. Brown, Karen Rodriguez, Damson Idris, Kiersey Clemons, Paris Jackson, Billie Eilish, Heather Simms
Duração: 237 min (7 episódios)