Home Diversos Crítica | Sem Saída, de Patricia Highsmith

Crítica | Sem Saída, de Patricia Highsmith

Ou... as grandes mancadas de Walter Stackhouse.

por Ritter Fan
322 views

Pacto Sinistro, o primeiro romance de Patricia Highsmith, publicado em 1950, foi um impressionante acerto e, até hoje, um grande exemplar de thriller psicológico de mergulho profundo em mentes perturbadas, o que se tornaria uma das marcas da autora. No lugar de continuar trabalhando no mesmo gênero, porém, ela tomou um corajoso desvio em seu segundo livro, Carol (ou O Preço do Sal), de 1952, um sensacional história semiautobiográfica de um romance homossexual entre duas mulheres que, para evitar que sua carreira fosse destruída em razão justamente de seu tema, ela originalmente publicou sob o pseudônimo Claire Morgan.

Sem Saída, de dois anos depois, marcou seu retorno ao gênero original e sua permanência nele por grande parte do restante de sua carreira. Sob muitos aspectos, Highsmith toma emprestado elementos de Pacto Sinistro para criar a história de um homem casado com uma mulher complicado que, aos poucos, vai nutrindo ódio por ela e sonha em eliminá-la depois que ele lê uma notícia de jornal sobre a morte de uma mulher casada em circunstâncias misteriosas, convencendo-se da culpa do marido. De forma a aguçar a curiosidade do leitor, aliás, a autora espertamente começa narrando o assassinato que, depois, sairia no jornal, abandonando essa linha narrativa, e, então, mergulhando na do advogado Walter Stackhouse e de sua esposa Clara, controladora e ciumenta ao extremo.

Claro que as duas histórias convergem – e aí muitos dos paralelos com o primeiro romance de Highsmith começam a aparecer com força -, mas a autora não tem pressa e trabalha especialmente Walter com todo o vagar necessário para que seja possível compreender o que se passa em sua mente. E ela não tem pudor algum em fazer o leitor simpatizar com Walter, mesmo ele muito claramente desejando com ardor a morte de sua esposa, seja por suas mãos ou não. Aliás, Highsmith pinta Clara como uma mulher verdadeiramente detestável, instável, com uma fixação doentia em seu marido a ponto de achar que ele é constantemente infiel, algo que, pelo menos no início, ele não é. E, em determinado ponto da história – isso não é, de forma alguma, spoiler – Clara realmente morre em circunstâncias estranhas que, claro, joga luz em todo o diálogo mental que acompanhamos por parte de Walter. Se foi ele o responsável ou não, fica para o leitor descobrir, mas o que interessa é o quanto a morte serve de catalisador para que Walter, então, comece a demonstrar, ironicamente, uma fixação ainda maior pelo marido da mulher morta na notícia de jornal.

O título original em inglês – The Blunderer – não tem uma tradução muito boa em português, mas blunder é “erro”, ou, mais precisamente, um “erro estúpido”, uma “mancada” e The Blunderer é quem comete esse tipo de erro, algo que já fornece uma pista para a sucessão de burradas que Walter comete que, aos poucos, vão empurrando-o para uma sinuca de bico daquelas inacreditáveis, que fazem o leitor dar aquele “tapa na testa” de estupefação diante do que o protagonista reiteradamente faz. Como o assunto do romance é sério, pois tem como uma de suas temáticas centrais a violência contra a mulher, imaginada e real, não é possível classificar a obra como uma comédia de erros, mas ela certamente tem elementos desse gênero teatral, o que é inegavelmente uma abordagem refrescante e diferente por parte da autora.

No entanto, Sem Saída acaba correndo um pouco atrás do rabo, com Walter tornando-se um personagem que tem um evidente limite no que pode ser feito com ele, limite esse que Highsmith tenta ultrapassar com a exploração das ações violentas do tenente Lawrence Corby que investiga tanto a morte que é noticiada, quanto a de Clara, e do dono de livraria Melchior J. Kimmel, que é o marido da mulher assassinada no início do romance. No entanto, Corby é Kimmel entram efetivamente na história de maneira muito tardia e, ainda que o relacionamento estranho e claudicante entre Stackhouse e Kimmel funcione (não tão bem quanto o de Guy Haynes e Charles Anthony Bruno, claro), Corby é quase que uma inserção após-o-fato que Highsmith luta para encaixar na narrativa sem parecer algo alheio a ela.

Quando Sem Saída mergulha na mente de seu protagonista, especialmente no terço inicial da narrativa, a obra é muito claramente uma criação original de Patricia Highsmith. Quando, porém, o romance envereda por coincidências exageradas e introduz novos personagens externos demais à trama original – eles são necessários, não se enganem, mas a forma como eles são inseridos é que é o problema -, ele perde um pouco a coesão, mesmo que os elementos psicológicos mantenham-se relevantes, algo que a autora elevaria a outro nível com seu O Talentoso Ripley já no ano seguinte. Mas essa é outra história, claro.

Sem Saída (The Blunderer – EUA, 1954)
Autora: Patricia Highsmith
Editora original: Coward-McCann
Data original de publicação: 1954
Editora no Brasil: Editora Benvirá
Data de publicação no Brasil: 2015
Tradução: Sônia Pinheiro
Páginas: 280

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais