- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
O grande destaque do episódio que marca a metade da última temporada de Servant é, sem dúvida alguma, o trabalho de direção de Carlo Mirabella-Davis. Usando todos os truques do livro de “como dirigir um episódio de TV”, o diretor joga um jogo que inegavelmente chama atenção para seus artifícios visuais, mas que, no conjunto, acabam funcionando muito bem.
Faço essa ressalva sobre “todos os truques”, pois não é incomum que, em situações semelhantes, eles acabem atropelando e sufocando a narrativa, meio que substituindo-a pelo espetáculo até bonito, mas vazio. O que Mirabella-Davis entrega, porém, consegue trafegar com eficiência por essa tênue linha divisória e estabelecer uma atmosfera de ansiedade, tensão e obsessão com uma camada até satírica que, com uma cajadada só, situa a recém-reformada dupla Sean-Dorothy e desequilibra a normalmente segura Leanne.
Com tudo girando ao redor de uma festa ostensivamente imaginada como ferramenta para socializar Dorothy perante novos vizinhos de sua rua, mas que é, na verdade, um instrumento para facilitar a aproximação da Igreja dos Santos Menores de forma a eliminar a babá da equação, o episódio é um desconfortável e estranho exercício de estilo. Câmeras rasteiras ou à média altura dão o tom incômodo do capítulo, assim como um trabalho de maquiagem propositalmente exagerado que, aos poucos, desconstrói os personagens, deixa o espectador “enxergar a alma” da quadra principal. Além disso, a fotografia na sequência do blecaute fajuto é um excelente exemplo de como usar cores para servir de indicações de intenções, mesmo que, nesse ponto, a coisa descambe um pouco para o maniqueísmo.
Não sei se gosto muito do final semi-apocalíptico com Leanne em tese criando o buraco no asfalto da rua e sendo, ato contínuo, venerada por seus seguidores a céu aberto, mas diria que, pelo menos em termos estéticos, essa escolha de cliffhanger de meio de temporada pareceu-me tematicamente coerente com o que é mostrado no episódio. É, por assim dizer, um exagero para servir de cereja no bolo recheado de exageros dos 25 minutos anteriores.
Em termos de atuação, os destaques da vez ficaram com Lauren Ambrose e Toby Kebbell como o casal capaz de tudo para se livrar de Leanne, efetivamente vestindo a carapuça que Dorothy mesmo menciona quando ela indaga ao marido se o que eles estão fazendo não seria monstruoso. Os interrogatórios completamente impertinentes – mas, em medidas iguais, hilários e inquietantes – que a dupla faz para seus vizinhos, a manobra de Dorothy para levar Leanne ao que ela acha que será uma armadilha no jardim (e é, só que de outra natureza), as confidências aos sussurros entre marido e mulher, todos essas cenas são muito bem trabalhadas por Ambrose e Kebbell, com a direção de Mirabella-Davis sabendo extrair o grau caricatural necessário para esse bizarro episódio funcionar como um momento de virada que aponta para o final da temporada.
Creio, porém, que agora não há mais espaço para a trama andar de lado. Leanne reconheceu seu gosto por fazer maldades no episódio anterior e, agora, ela aprendeu de vez que seus “patrões” não a querem perto nem folheada à ouro e que sua ex-igreja está mesmo ali por ali pronta para dar o bote. Não tenho ideia até que ponto suas manifestações de poder podem ser tão espalhafatosas como aqui, mas é de se esperar algum tipo de embate cataclísmico – ainda que de proporções apropriadas ao escopo da série, espero – quando o tio George chegar com seu rebanho. Veremos, já com a torcida para que os futuros trabalhos de direção sejam tão bons quanto o visto aqui.
4X05: Neighbors (EUA – 10 de fevereiro de 2023)
Direção: Carlo Mirabella-Davis
Roteiro: Kara Lee Corthron
Elenco: Lauren Ambrose, Toby Kebbell, Nell Tiger Free, Rupert Grint, Barbara Kingsley, Denny Dillon
Duração: 27 min.
