O documentário de Simon Lereng Vilmont tem por objetivo a observação passiva de um orfanato no nordeste da Ucrânia. Com uma visada acerca do abandono parental, dos problemas com alcoolismo, drogas e violência doméstica, a película atravessa a vida dos principais afetados pelos conflitos: as crianças. Enquanto mergulha num foco objetivo, captando as instâncias da realidade do espaço em que vivem, o longa busca, simultaneamente, captar os impulsos de subjetividade que compõem esse mesmo espaço, dando a ver a dor, a desesperança mas sobretudo a esperança que recai sobre esses rostos em formação. Numa perspectiva melancólica, o documentário dialoga com o velho tema do “eterno retorno”, isto é, a espera incessante, por parte das crianças, de alguém que partiu mas talvez nunca voltará.
Embora seja um documentário bastante afetado pela temática de que trata, o é limitado. Sinto que ele poderia ser feito em qualquer lugar do mundo que o resultado seria o mesmo. Não há, nele, uma especificidade. Intitula-se como película que trará problemas próprios de uma Ucrânia atingida pela guerra, mas foge do seu problema, prejudicando uma possível maior complexidade da fita. Não me sinto comovido pela especificidade, mas sim pela situação das crianças, e nisso não há méritos para o cineasta, pois é um material pronto. Um orfanato é um orfanato em qualquer lugar do mundo, mas o que, exatamente, faz da sua obra um algo relevante para o debate contemporâneo? Simon Vilmont cita, no prólogo, a questão do conflito armado, mas em que parte isso aparece relacionado com o problema das crianças abandonadas no orfanato? Faltam conexões necessárias à sua película, e ela infelizmente não se destacada como um algo “local”, mas antes como um algo “universal”, isto é, sendo ou não ucraniana, aqui, não faz diferença.
Contudo, temos todos de concordar que o movimento de câmera, bem operado, faz uma bela arquitetura emocional do filme, com enquadramentos precisos nas faces dos desamparados, montando uma equação que o resultado é uma inevitável melancolia. Há um constante sentimento de luto porque o abandono gera esse sentimento de falta, que é ainda mais forte quando se trata de crianças que um dia tiveram família, mas que agora encontram-se ausentes de afeto parental. Para estimular ainda mais o público, as cores caminham sempre entre tons escuros ou acinzentados, sem vida.
O cineasta tem o trabalho de filmar o cotidiano, então adentramos o interior do orfanato juntamente às câmeras e presenciamos o que fazem as crianças, os funcionários, as regras, todos numa sintonia para que a angústia não tome a todos. No entanto, novamente, um outro porém: o filme não explora muitas questões para além do abandono, e nem aprofunda o seu olhar a respeito da temática que privilegia. Me sinto incomodado com a falta de olhar crítico no que diz respeito ao redor e ao espaço filmado. Me parece apenas que o cineasta filma o ambiente, a situação, e então monta as imagens numa estrutura bastante pobre, sem incitar debate algum para além do óbvio. Há pouco conteúdo num documentário cuja temática aparenta ser tão rica. Evidentemente, é de partir o coração tudo o que se encontra na tela, cujo ritmo lento impulsiona ainda mais a tristeza e o sentimento de morte, mas pouco sabemos a respeito das histórias de cada um. Se eles estão ali é por um motivo, mas quais motivos são esses? A narrativa criada é pobre e lhe falta ainda muita densidade para que se inicie, de fato, um debate em torno do documentário.
Fato é que a emoção jamais pode ser o parâmetro para a análise de uma obra. Esse sentimento de catarse pode encobrir uma narrativa limitada, e então dizemos que é uma obra-prima simplesmente porque nos fez emocionar – mas fazer emocionar não é tão difícil quando um tema é naturalmente emotivo como esse. A fita, em resumo, me parece que não se esforça para produzir algo além do que se vê. Por outro lado, tem um bonito material em mãos e consegue trazer um algo regular e cadenciado, ainda que peque em inúmeros outros fatores. A House Made of Splinters nos permite ver que essa casa feita de estilhaços carrega em si, como um grande coração aconchegante, inúmeros outros coraçõezinhos despedaçados mas esperançosos pelo dia seguinte e pela nova chance. O documentário entrega um trabalho limpo e redondo, mas também não se arrisca em sair do lugar mediano e por isso mesmo permanecerá nesse meio termo em que não é ruim de todo, mas está longe da excelência e distinção.
A House Made of Splinters (Rússia, Ucrânia, Dinamarca, Suécia, 2022)
Direção: Simon Lereng Vilmont
Roteiro: Simon Lereng Vilmont
Duração: 87 min.