O primeiro olhar que temos dessa aventura acontece nas linhas finais de O Caso da Sobrinha do Sonâmbulo, quando vemos o referido bispo do título adentrar ao escritório de Perry Mason. Aqui, a trama segue deste ponto em diante, com o autor nos dando algumas descrições básicas do religioso e estabelecendo a conversa inicial dele com o advogado-detetive, de onde conhecemos a primeira parte de uma problemática que irá se tornar cada vez mais intrincada no decorrer do volume. Num primeiro momento, porém, Erle Stanley Gardner cria uma situação de preocupação (o bispo quer entender mais sobre um caso de atropelamento acontecido 20 anos antes) e também de desconfiança, que surge do fato de que, segundo Perry, “bispos não gaguejam“.
O Caso do Bispo Gago é um livro que se ergue e se desenvolve muito bem. Nos blocos dramáticos da obra, não existem problemas de atropelamento narrativo ou coisa parecida. A progressão dos problemas em torno da investigação de Mason — problemas que acontecem porque os casos que seus clientes lhe trazem são sempre complexos e cheios de meandros perigosos — faz bastante sentido aqui. O bispo quer testemunhar a favor de uma mulher que, 20 anos atrás, atropelou alguém e fugiu (mais adiante sabemos que, na verdade, não foi ela quem atropelou, ‘apenas’ “aceitou levar a culpa“), mas essa não é a única situação em pauta. De repente, aparecem outras mulheres, de diferentes idades, ligadas a um homem muito rico. E a busca por uma herança leva, claro, ao esperado assassinato da vez.
Até pouco mais da metade do volume, eu aproveitei a progressão dos eventos, de pessoas passando-se por outras e Mason e Paul tentando entender o que estava acontecendo. Nesta ocasião temos uma presença notável de Della Street, que se põe em risco uma porção de vezes, chegando até ser enforcada por um criminoso envolvido no caso de maneira suja e manipuladora. Uma fala machista de Paul em relação à “incapacidade de as mulheres olharem objetivamente para um mistério” é rebatida de forma irônica por Della, que tira sarro do colega num ponto mais avançado da trama. Vê-se que o autor propositalmente colocou esse tipo de fala na boca de Paul para destacar o protagonismo da “frágil secretária” em relação ao próprio detetive machista. E melhor ainda: num contexto em que Della resiste até a ataques físicos, Paul parece que está morrendo simplesmente porque pegou uma simples gripe.
Depois que o julgamento acontece (em todo livro da série, até o momento, temos um), Perry recebe uma dica, num diálogo com Della, que faz com que desperte para as reais implicações do jogo. E este é o ponto no qual o autor se perde. A resolução do caso é feita numa narração longa de Mason, num embolo de papéis, respostas e afirmações que mesmo finalizando coisas que já tínhamos visto no livro, parecem novidades confusas pela maneira como o advogado as expõe. É o tipo de resolução de um mistério que atropela muita coisa, confunde parcialmente o leitor e encaminha o encerramento do livro para um ponto bem abaixo de seu desenvolvimento.
A queda não é assim tão forte a ponto de derrubar o livro para baixo da faixa mediana, mas faz com que fique no “apenas bom” porque não soube aproveitar uma base textual mais ágil e objetiva. Não que Erle Stanley Gardner seja primoroso na primeira metade do livro — grande apuro literário não é seu forte e nem sua proposta, sejamos francos. Mas ele definitivamente consegue escrever de maneira muito mais atraente, fluída e divertida do que o fez na parte final de O Caso do Bispo Gago.
Perry Mason – Livro 9: O Caso do Bispo Gago (The Case of the Stuttering Bishop) — EUA, setembro de 1936
Autor: Erle Stanley Gardner
Publicação original: William Morrow and Company
232 páginas