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Crítica | Usagi Yojimbo – Livro 6: Círculos

Voltando para casa.

por Luiz Santiago
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A grande temática em desenvolvimento neste 6º volume da série Usagi Yojimbo é o retorno do protagonista para casa. Ele chegou à conclusão de que já perambulou demais pelo Japão, já enfrentou muitas coisas (diversas delas, porque foi forçado a fazê-lo) e viu muitos horrores. Mesmo não estando velho, ele se sente cansado dessa vida de ronin andarilho, e quer começar uma nova vida em sua vila natal. Uma vida em paz. Isso será possível? Se analisarmos bem o desejo do personagem, veremos que ele não quer muita coisa. É, na verdade, um desejo simples: ser deixado em paz. E daí vem a parte dolorosa — algo que, nesse Universo, é atribuído ao destino, ao carma: ele não pode obter o que deseja. Ele não pode fixar moradia na vila de sua infância. Ele deve continuar vagando.

Assim como Zatoichi, Usagi é um personagem “amaldiçoado por sua excelência“. O fato de ser um exímio lutador faz com que ele seja odiado por muitos, admirado por outros e transformado em alvo por alguns tantos. Essa construção da fama de “invencível” é algo que vemos muito constantemente em narrativas onde o protagonista já percebeu o quanto suas habilidades lhe causam problemas, muitas vezes porque os outros querem provar-se valorosos ao enfrentar alguém tão importante. No cinema — e posteriormente na literatura policial hard boiled, bem como em outras mídias com abordagem próxima a esse gênero –, tal mentalidade foi exposta nos filmes de máfia e em faroestes, tendo, a meu ver, a sua máxima fixação no longa O Matador (1950). Essa é exatamente a mesma estrutura da qual Stan Sakai lança mão para mostrar alguns dos perrengues pelos quais Usagi passa no caminho de volta ao lar.

O primeiro conto chama-se A Ponte (The Bridge), e dá o tom do volume porque coloca o protagonista em contato com um demônio que domina e assombra uma ponte. É uma história bem atmosférica, com uma linha de terror inesperado, desde a chegada de Usagi à vila, numa noite chuvosa, ao consequente enfrentamento com o demônio. Faz muito sentido essa história ser a abertura do volume, porque ela contribui com a ideia de “círculos” que o arco propõe. O segundo capítulo é O Duelo (The Duel) e constitui uma das histórias mais sentimentais da série até o momento. Ela também aponta para as consequências de uma prática social questionável, de elementos culturais viciosos e até mesmo de questões de classe (embora essa discussão não seja feita pelo autor, é perfeitamente possível olhar as necessidades financeiras do samurai e tirar tais conclusões). É enraivecedora a postura dos aldeões que apostam num tipo de jogo de vida e morte. E além da ironia do destino que o chefe das apostas enfrenta, há o lado triste, da esposa e do filhinho do samurai que o esperavam numa colina próxima à cidade. É de cortar o coração.

Uma MAGNÍFICA representação de luto de um personagem. Uma das páginas mais lindas que eu já vi, com essa temática, em um quadrinho.

Em Yurei (fantasma), temos uma inesperada história de vingança. Uma mulher foi morta pelo marido e seu corpo foi jogado num rio. Ela buscava paz. Seu contato com Usagi é uma daquelas situações em que alguém, no mundo dos vivos, deve colocar em andamento uma roda de eventos que não poderia rodar sozinha. É bem interessante, porque Usagi não faz algo em particular para vingar a morte da mulher. Mas o fantasma dela sabia que o mínimo que ele fizesse, levaria o marido à morte. O penúltimo capítulo, A Filha do Meu Senhor (My Lord’s Daughter) é o conto misto de fantasia do arco e o que traz a maior sensação de conforto também. Usagi narra uma grande aventura em que ele enfrentou diversos obakemono (uma classe de yōkai — monstros/criaturas sobrenaturais — do folclore japonês), inclusive um polvo gigante. A surpresa do final é muito fofa: ele está em uma pousada. É noite. A dona da casa está preparando o jantar e Usagi está narrando essa história para várias crianças ao seu redor, distraindo-as por um tempo.

A última trama do volume é aquela que lhe dá título. É também a maior história da publicação, a que mais nos traz surpresas e a que melhor exibe a soberba arte de Stan Sakai. Faz-se uma abordagem direta do passado de Usagi, expande-se e coloca-se em outro patamar a relação dele com o seu sensei, Katsuichi; e por fim, sua relação com Mariko. É nesse ponto que a reafirmação de Usagi como um andarilho coroa-se. Sua vila já não é mais um espaço para ele, não é o lugar onde deve se fixar para ter paz. Isso, se ele quiser o bem da amada — hoje casada com outra pessoa — e do filho, que ele só descobre aqui quem é. Vemos o fechamento de um ciclo para o personagem, de fato, abrindo as portas para uma nova fase de suas andanças, junto à promessa de que, eventualmente, voltará ao mesmo lugar de partida para reencontrar algumas pessoas de seu coração.

Usagi Yojimbo – Livro 6: Circles (EUA)
Contendo: Usagi Yojimbo Vol.1 #25 a 31 + Critters #50 (novembro de 1990 – novembro de 1991)
Editora original: Fantagraphics, julho de 1994
Roteiro: Stan Sakai
Arte: Stan Sakai
Capa: Stan Sakai
168 páginas

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