A grande temática em desenvolvimento neste 6º volume da série Usagi Yojimbo é o retorno do protagonista para casa. Ele chegou à conclusão de que já perambulou demais pelo Japão, já enfrentou muitas coisas (diversas delas, porque foi forçado a fazê-lo) e viu muitos horrores. Mesmo não estando velho, ele se sente cansado dessa vida de ronin andarilho, e quer começar uma nova vida em sua vila natal. Uma vida em paz. Isso será possível? Se analisarmos bem o desejo do personagem, veremos que ele não quer muita coisa. É, na verdade, um desejo simples: ser deixado em paz. E daí vem a parte dolorosa — algo que, nesse Universo, é atribuído ao destino, ao carma: ele não pode obter o que deseja. Ele não pode fixar moradia na vila de sua infância. Ele deve continuar vagando.
Assim como Zatoichi, Usagi é um personagem “amaldiçoado por sua excelência“. O fato de ser um exímio lutador faz com que ele seja odiado por muitos, admirado por outros e transformado em alvo por alguns tantos. Essa construção da fama de “invencível” é algo que vemos muito constantemente em narrativas onde o protagonista já percebeu o quanto suas habilidades lhe causam problemas, muitas vezes porque os outros querem provar-se valorosos ao enfrentar alguém tão importante. No cinema — e posteriormente na literatura policial hard boiled, bem como em outras mídias com abordagem próxima a esse gênero –, tal mentalidade foi exposta nos filmes de máfia e em faroestes, tendo, a meu ver, a sua máxima fixação no longa O Matador (1950). Essa é exatamente a mesma estrutura da qual Stan Sakai lança mão para mostrar alguns dos perrengues pelos quais Usagi passa no caminho de volta ao lar.
O primeiro conto chama-se A Ponte (The Bridge), e dá o tom do volume porque coloca o protagonista em contato com um demônio que domina e assombra uma ponte. É uma história bem atmosférica, com uma linha de terror inesperado, desde a chegada de Usagi à vila, numa noite chuvosa, ao consequente enfrentamento com o demônio. Faz muito sentido essa história ser a abertura do volume, porque ela contribui com a ideia de “círculos” que o arco propõe. O segundo capítulo é O Duelo (The Duel) e constitui uma das histórias mais sentimentais da série até o momento. Ela também aponta para as consequências de uma prática social questionável, de elementos culturais viciosos e até mesmo de questões de classe (embora essa discussão não seja feita pelo autor, é perfeitamente possível olhar as necessidades financeiras do samurai e tirar tais conclusões). É enraivecedora a postura dos aldeões que apostam num tipo de jogo de vida e morte. E além da ironia do destino que o chefe das apostas enfrenta, há o lado triste, da esposa e do filhinho do samurai que o esperavam numa colina próxima à cidade. É de cortar o coração.
Em Yurei (fantasma), temos uma inesperada história de vingança. Uma mulher foi morta pelo marido e seu corpo foi jogado num rio. Ela buscava paz. Seu contato com Usagi é uma daquelas situações em que alguém, no mundo dos vivos, deve colocar em andamento uma roda de eventos que não poderia rodar sozinha. É bem interessante, porque Usagi não faz algo em particular para vingar a morte da mulher. Mas o fantasma dela sabia que o mínimo que ele fizesse, levaria o marido à morte. O penúltimo capítulo, A Filha do Meu Senhor (My Lord’s Daughter) é o conto misto de fantasia do arco e o que traz a maior sensação de conforto também. Usagi narra uma grande aventura em que ele enfrentou diversos obakemono (uma classe de yōkai — monstros/criaturas sobrenaturais — do folclore japonês), inclusive um polvo gigante. A surpresa do final é muito fofa: ele está em uma pousada. É noite. A dona da casa está preparando o jantar e Usagi está narrando essa história para várias crianças ao seu redor, distraindo-as por um tempo.
A última trama do volume é aquela que lhe dá título. É também a maior história da publicação, a que mais nos traz surpresas e a que melhor exibe a soberba arte de Stan Sakai. Faz-se uma abordagem direta do passado de Usagi, expande-se e coloca-se em outro patamar a relação dele com o seu sensei, Katsuichi; e por fim, sua relação com Mariko. É nesse ponto que a reafirmação de Usagi como um andarilho coroa-se. Sua vila já não é mais um espaço para ele, não é o lugar onde deve se fixar para ter paz. Isso, se ele quiser o bem da amada — hoje casada com outra pessoa — e do filho, que ele só descobre aqui quem é. Vemos o fechamento de um ciclo para o personagem, de fato, abrindo as portas para uma nova fase de suas andanças, junto à promessa de que, eventualmente, voltará ao mesmo lugar de partida para reencontrar algumas pessoas de seu coração.
Usagi Yojimbo – Livro 6: Circles (EUA)
Contendo: Usagi Yojimbo Vol.1 #25 a 31 + Critters #50 (novembro de 1990 – novembro de 1991)
Editora original: Fantagraphics, julho de 1994
Roteiro: Stan Sakai
Arte: Stan Sakai
Capa: Stan Sakai
168 páginas