Ao longo de sua bibliografia, especialmente nas produções dos anos 1920, Edogawa Ranpo expôs de maneira frequente a sua visão crítica, ácida e até cômica sobre uma porção de caminhos investigativos já bem estabelecidos na literatura policial. O autor considerava todas as formas como válidas, mas não dava a elas poderes absolutos. Sua interpretação para os métodos investigativos é a de que eles devem ser maleáveis, sempre colocados em contexto com o crime cometido, com o ambiente onde o crime aconteceu e, principalmente, com os investigados e/ou suspeitos de terem cometido o ato. Isso porque os métodos que podem funcionar num certo contexto e para um tipo de pessoa ou personalidade, simplesmente não cabem para um outro grupo de indivíduos, fazendo com que pessoas inocentes sejam condenadas à prisão ou à morte, e os verdadeiros criminosos… soltos.
Em O Teste Psicológico temos o lado dos testes mentais, das associações de palavras e outros caminhos afins utilizados por psicólogos e detetives, usados para expor o caso do brilhante estudante Seiichiro Fukiya e de seu melhor amigo Isami Saito. Na maior parte da narrativa temos a ação direta desses personagens; a construção de uma realidade peculiar (uma viúva que guardava muito bem seu dinheiro em casa) e também a exploração da ganância de Fukiya, juntamente com os traços psicopatas de sua personalidade. Ele não se importava com os outros, com o que poderia causar de ruim nas pessoas, com nada que não fosse o seu próprio prazer. O tipo de pessoa capaz de qualquer coisa para conseguir o que quer. E é exatamente isso que ele nos prova nessa história.
Depois de um longo processo de apresentação dos fatos, o autor começa a fechar a armadilha em torno de Fukiya. O leitor até acredita que está diante de um “crime perfeito”, porque o estudante realmente tinha um excelente processo mental e conhecia o suficiente do sistema para se colocar à frente dele e tentar enganá-lo, como faz com a cuidadosa preparação para “passar” no teste psicológico da polícia. Nesta parte final do conto, temos a ilustre chegada de Akechi Kogoro, aqui já referido como alguém muito famoso pelos resultados que conseguiu em sua carreira, além de ser muito respeitado pela polícia. É através do estranho detetive que o texto questiona a confiança exagerada nos testes psicológicos (o trabalho de Hugo Münsterberg é citado diretamente aqui) e como é possível utilizar essa ferramenta da melhor maneira possível, dando o contexto necessário ela e, principalmente, corda para que o bandido se enforque sozinho.
O crime, seu processo de ocultamento e todo o cenário de exibição daquilo que seria investigado são muito bons, espalhando um número considerável de pistas para que o leitor escolha a que achar mais interessante na formação de suas hipóteses. A cena do arranhão numa das telas expostas na casa da mulher, no dia em que ela foi morta, ficou na minha cabeça, e eu tinha certeza que o autor retomaria esse detalhe do momento em que Fukiya enforcava a pobre viúva. Mas a maneira como essa pista veio à tona é ótima. Não é apenas uma pista qualquer jogada na cara do leitor em um momento propício. Há uma ordem, uma lógica muito bem articulada em torno da apresentação, e o conto se fecha de maneira simples, mas coerente com aquilo que vinha construindo. Uma fantástica história de investigação, com um padrão de questionamento que vai além da procura por pistas físicas, focando no perfil psicológico e comportamental do criminoso. Pensando nessa metodologia, imagino que a criminóloga Julia Kendall lidaria muitíssimo bem com um personagem como Akechi Kogoro!
O Teste Psicológico (心理試験 / Shinri Shiken / The Psychological Test) — Japão, fevereiro de 1925
Autor: Edogawa Ranpo
Publicação original: Shin Seinen (New Youth / Nova Juventude)
53 páginas