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Crítica | O Pálido Olho Azul

Pálido, sem dúvida.

por Ritter Fan
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Pode ser que eu esteja viajando, mas, durante toda a projeção de O Pálido Olho Azul, não consegui me desvencilhar dos paralelos com O Nome da Rosa, de Jean-Jacques Annaud, filme que adoro quase que sem restrições. Não só há a origem literária dos dois longas, como, também, a base “em fatos reais” de uma história detetivesca de época com elementos de ocultismo em que um investigador veterano arregimenta os serviços de outro mais jovem e mais inocente para lidar com assassinatos brutais em um ambiente rígido com tendência a se fechar em copas para evitar escândalos. Até mesmo o uso de Edgar Allan Poe como o “investigador mais jovem” paraleliza a obra original de Umberto Eco e a adaptação de Annaud, em razão da referência direta a William de Baskerville ser um Sherlock Holmes medieval.

Diria até mesmo – e aí é suposição pura mesmo – que Scott Cooper tentou emular a atmosfera opressiva que Annaud estabeleceu em seu longa de 1986, transportando-a, lógico, para o período e país adequados ao romance de Louis Bayard , o que de forma alguma tira o mérito das equipes de direção de arte, figurino e cenários que, ao contrário, conseguem evocar muito bem os arredores ermos e até assustadores da prestigiosa academia militar de West Point, no interior de Nova York, nos idos de 1830. Aliás, a produção toda é muito boa nesse quesito amplo de criação de atmosfera, seja pelos cuidados elementos históricos, seja pela fotografia azulada de Masanobu Takayanagi (Guerreiro e dos três filmes da parceria de Cooper com Christian Bale) que toma conta essencialmente das sequências externas no frio do lugar que se opõe ao amarelado doente dos interiores mais aquecidos.

Ajuda muito também a costumeiramente ótima atuação de Bale como o ex-detetive de polícia Augustus Landor que é retirado de sua quieta aposentadoria em uma cabana na região para investigar a morte e especialmente a mutilação do corpo do morto – um cadente de West Point – já no necrotério, com a cuidadosa extração de seu coração. Percebendo que o cadete E. A. Poe (que, na vida real, efetivamente teve uma passagem por lá), vivido por Harry Melling, tem tino para investigação, ele arregimenta seus serviços para que os dois possam, então, desvendar o mistério. A dupla Bale e Melling, sejam juntos ou separadamente, fazem do filme o que ele é e o salvam de um roteiro – adaptado pelo próprio Cooper – que basicamente tenta cobrir todas as suas bases, sem conseguir fazê-lo apropriadamente em nenhum momento.

Seja o drama pessoal de Landor com sua filha que aparentemente fugira com alguém algum tempo antes, seja o bullying em cima de Poe, seja o próprio mistério principal em si – antes da reviravolta que não abordarei para manter a crítica sem spoilers -, tudo é trabalhado de maneira muito rasa, sem qualquer profundidade dramática que aponte com vigor para o norte da obra. Mesmo com algumas participações especiais bacanas aqui e ali, notadamente Gillian Anderson e o veteraníssimo Robert Duvall, o longa parece perdido sobre o que quer ser: um mistério engajador, uma “história de origem” para Poe (as referências para quem conhece as obras do autor são muitas, começando pelo próprio Augustus Landor, claro) ou uma crítica ao ambiente militar e também à religião muito na linha do citado O Nome da Rosa.

E o resultado é uma sopa homogênea, rala e um tanto quanto sem gosto, mas que é ironicamente feita de ingredientes nobres por um chef de cozinha com mais talento do que ele demonstra aqui e que parece muito bonita em um primeiro momento. Em outras palavras, a apresentação é muito boa, os elementos que formam o todo são ótimos, notadamente Bale e Melling, mas o que fica é mais um mistério cujo twist no final torna tudo ainda pior, por exigir uma ginástica mental que leva a apenas à conclusão de que a quantidade de conveniências narrativas é tão grande para fazer o filme ficar de pé, levando a seu resultado (i)lógico que isso chega a distrair mesmo o mais leniente dos espectadores.

Sim, O Pálido Olho Azul inexoravelmente me lembra de O Nome da Rosa, mas isso funciona tanto no que os filmes têm de parecido quanto no que eles têm de diferente e em tudo que a obra de Cooper se desvia da de Annaud, ela se revela apenas como uma pálida versão do excelente conto medieval. Não que o longa não divirta, pois a mera presença de Bale em cena, especialmente contracenando com Melling, garante a diversão, mas ele nunca consegue ir além disso e, quando acaba, não deixa qualquer marca.

O Pálido Olho Azul (The Pale Blue Eye – EUA, 06 de janeiro de 2023)
Direção: Scott Cooper
Roteiro: Scott Cooper (baseado em romance de Louis Bayard)
Elenco: Christian Bale, Harry Melling, Simon McBurney, Timothy Spall, Toby Jones, Harry Lawtey, Fred Hechinger, Joey Brooks, Charlotte Gainsbourg, Lucy Boynton, Robert Duvall, Gillian Anderson, Steven Maier, Brennan Keel Cook, Orlagh Cassidy, Scott Anderson, Gideon Glick, Jack Irving, Matt Heim, Hadley Robinson, Mathias Goldstein, Charlie Tahan
Duração: 128 min.

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