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Crítica | A Babá (2022)

O cruel sonho americano.

por Felipe Oliveira
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Forte nome dentre os mais elogiados filmes de terror deste ano, não demorou muito após a estreia de Nanny no Festival de Sundance para Nikyatu Jusu chamar atenção. Diante de seu debut como diretora e roteirista em um longa-metragem, a recepção foi tão calorosa que a cineasta está definida para comandar mais duas fitas do gênero. Mas se tratando do seu primeiro trabalho, A Babá se relaciona com a expansão da subcategoria do terror racial, tópico muito bem abordado em Corra!, seguido da revisitação do categórico Candyman, além Nós, Black Box, Bad Hair, Antebellum. Revelando os horrores do racismo estrutural, Jusu faz em sua estreia um denso terror psicológico que acompanha a rotina de uma mãe senegalesa que busca concretizar o sonho americano ao lado do filho.

A forma como Jusu insere a linguagem do terror psicológico em Nanny conversa muito com a maneira crua que o roteiro é tratado. Ao vermos que depois de um longo tempo Aisha (Anna Diop) conseguiu um emprego, entendemos a cena inicial que apresentou a personagem deitada numa cama, tendo seu descanso ameaçado pela água que se aproxima ao redor e também pela presença de uma aranha que quase entra em sua boca. Neste caso, esses se fazem pequenos indícios dos simbolismos e metáforas do folclore africano usados para representação da história de Aisha, a primeira, a Mami Wata (Mãe Água), uma divindade da água vista em forma de sereia, sendo símbolo de proteção e fertilidade, e o segundo, Anansi, a híbrida figura traiçoeira em forma de homem e aranha.

Mesmo trazendo essa simbologia como espelhamento a trajetória de Aisha, concepção essa que parte do terror psicológico, há muito mais drama e melancolia envolvidos toda vez que nos deparamos com as alucinações e acenos sobrenaturais da trama do que demonstrações de terror, de fato, e nisso, há mérito de Jusu em ilustrar como sua protagonista está cada vez mais sufocada e desiludida na busca do sonho americano. Porém, há um certo estranhismo nessa composição que não parece proposital, e sim que por trás de toda construção técnica que embala o forro simbólico, faltou delinear uma estrutura a ser seguida, ainda que de modo protocolar. A sensação é que durante a montagem foram selecionados os momentos que as alucinações seriam inseridas, já que o roteiro oferece trechos expositivos com explicações — a exemplo das repentinas falas da avó Kathleen (Leslie Uggams), principalmente no ato final —, mas que nunca conseguem expressar coerência quando ao acontecerem de maneira anticlimática, como quando durante um mergulho numa piscina, Aisha se perde em devaneios. É uma amostra até da obviedade, mas que não atinge o impacto imaginado.

Embora Jusu não tenha conduzido tão bem como o folclore africano seria abordado sem soar brusco, o seu roteiro versa com uma maturidade e consciência da história que está contando, tudo isso bem definido em Aisha, numa performance potente e absorta de Diop. Tendo emigrado há um ano de Senegal para Nova York, Aisha tenta com o emprego de babá economizar para pagar a viagem de seu filho, mas durante o esforço, ela é mais uma das profissionais tratada com a insensibilidade e desdém dos patrões brancos, e desde o abraço fingindo de Amy (Michelle Monaghan), Aisha sabia muito bem com quem estava lidando, e é  ótima a sequência em que ela exige por seus direitos ou quando não aceita ser explorada pelas questões conjugais mal resolvidas de Amy e o esposo adúltero.

E enquanto acerta no desenvolvimento para o clímax da discussão, Jusu oscila na irônica contraposição entre Amy e Aisha: a medida que exerce a função de babá para pagar pela viagem do filho, é com a pequena Rose (Rose Decker) que Aisha vai criando um vínculo, o que serve como estímulo para a ruptura da falsa amizade e satisfação de Amy por Aisha. É nesse momento que o texto do filme aponta que as reflexões não se limitam apenas às relações trabalhistas abusivas, mas como Amy transfere para Aisha todo e qualquer papel que deveria estar desempenhando, como mãe, em lidar com o frágil casamento, ao apelar para sororidade quando não se sente reconhecida no emprego. Nesse espaço, o roteiro busca aplicar inspirações fílmicas de suspenses sobrenaturais, em alusão a culpa de Aisha em não oferecer a maternidade que deseja ao filho, mas novamente, os exemplos de atividades paranormais não conciliam dentro da trama.

Por trás da beleza estética, e como a partir de exemplos simples Jusu induz a momentos espontâneos e envolventes — como a cena de jantar entre Aisha e Malik — há um sentimento de inconclusão em Nanny, visto que seria interessante ver o filme investir mais na atmosfera do que reproduzir referências do gênero em cenas visualmente atraentes. Não faltam evidências quanto ao filme de estreia de Jusu ser impecável tecnicamente, com cenas inspiradíssimas em que a cinematografia de Rina Yang e a música composta por Bartek Gliniak e Tanerélle se complementam com graça, contudo, mesmo com um debut poderoso, A Babá poderia ser mais eficiente se não fosse organizado para contar uma história comovente e impactante em muito estilo e pouca substância.

A Babá (Nanny – EUA, 2022)
Direção: Nikyatu Jusu
Roteiro: Nikyatu Jusu
Elenco: Anna Diop, Michelle Monaghan, Sinqua Walls, Morgan Spector, Rose Decker, Leslie Uggams, Olamide Candide-Johnson, Jahleel Kamara
Duração: 99 min.

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