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Crítica | O Mundo Silencioso

Belo e terrível.

por Fernando JG
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Jacques-Yves Cousteau, o cineasta e oceanógrafo responsável por filmar e dirigir grande parte deste filme com o jovem Louis Malle, produz um documentário que é estruturalmente brilhante em procedimento, estética e temática, mas que é igualmente repulsivo pelas ações filmadas. Por muito tempo estive dividido em acreditar se era ou não uma obra crítica em relação à atividade predatória que observamos no decorrer do longa-metragem, mas não. É apenas um olhar datado, cheio de conceitos de época e de uma violência brutal contra a natureza que me espanta a ponto de querer abandonar a fita. Me assombra, sobretudo, a passabilidade que ganhou a película quando de seu lançamento, afinal, ela é detentora de nada mais nada menos que uma Palma de Ouro em Cannes. 

Trata-se de gravação documental que acompanha, durante alguns dias a bordo do navio Calypso, uma viagem de exploração subaquática ao longo do Mar Vermelho, Grécia, Golfo Pérsico e Oceano Índico. Em nome da ciência, vemos os navegantes buscando por respostas do mundo marinho e testando o limite do corpo humano em situação de baixa pressão. Lindas e inéditas imagens são captadas do fundo do oceano, contribuindo para estudos da natureza, mas a destruindo em igual proporção. 

A beleza que encontramos é puramente orgânica, uma vez que apenas a exposição límpida das figuras da natureza são o suficiente para causar o deleite no público. Cabe chamar a atenção que o método subaquático de filmagem em cores é revolucionário, proporcionando imagens belas, com enquadramentos dignos de um grande diretor e um estilo fluido. O filme flutua como seus mergulhadores. Este é um dos primeiros documentários na história a se propor tamanha aventura, conseguindo captar uma totalidade de epopeias marítimas, como, por exemplo, a manifestação única de uma tempestade violenta em mar-aberto. As magníficas imagens causam pavor e prazer na mesma medida. O Mundo do Silêncio é um primor quando consegue nos fazer mergulhar junto e nos fazer sentir, por uma sinestesia cinematográfica, o fundo do mar. Novamente tememos pelo mistério do desconhecido, mas nos encantamos com as maravilhas que Cousteau encontra em áreas até então intocadas pela mão do ser humano. 

Contudo, o filme depara-se com outro dilema: o é brutalmente lindo, mas igualmente predatório. Não há como deixar de tecer uma opinião crítica a respeito da relação dos pesquisadores com a fauna e flora marinhas. Não há o mínimo de cuidado, mas um crime atrás do outro. A aproximação do homem para com a natureza é sempre violenta. Me espanta e muito o assassinato de uma cachalote que se lesiona ao atingir a hélice do barco, mas me deixa igualmente assustado o fato dos tripulantes, sobretudo a mando de Cousteau e Malle, chacinarem um grupo de tubarões simplesmente porque vieram comer os restos da baleia morta. O gesto de vingança é claro e, portanto, repugnante. É claro que os valores são outros, afinal, é uma película da década de 50, mas é tão violenta a ação que parece não justificar a ideia de ser a “mentalidade da época”, simplesmente porque são ações gratuitas e por isso se tornam prontamente repulsivas. Ora, o filme não tem intenção crítica alguma, senão serve apenas como um meio de exploração. O Cinema, aqui, é uma máquina predatória. 

66 anos depois de seu lançamento (escrevo esta crítica em dezembro de 2022), a recepção desse filme tende a rebaixá-lo diante do que se vê na tela. A concepção de um anti sublime – isto é, de um inefável que não chega ao prazer do êxtase, mas causa desgosto – parece ser a característica mais latente da obra de Cousteau. O anti sublime, aqui, é a ideia de serem, as imagens, o oposto do encanto. A falta de posicionamento crítico da obra em relação a si mesma e o seu alienamento ambiental não conseguem ser menores do que tudo aquilo que entrega enquanto cinematografia. Tinha tudo para ser uma obra-prima, premiadíssima como foi, mas tropeça no meio do caminho, e essa pedra no meio do caminho se chama tempo. A passagem do tempo é a responsável por oxidar a fórmula desse filme. 

Lembro-me de Calvino dizendo que um clássico é algo que permanece se reinventando. Aqui, não. A sua permanência é negativa em absoluto. Evidencia-se, portanto, um problema de Ética no Cinema. O que Le Monde du Silence nos entrega é uma obra polêmica pela sua estrutura ambígua, isto é, de ser revolucionário enquanto procedimento de filmagem, mas que, por outro lado, cai numa armadilha feita pelo próprio desenrolar das ações fílmicas. Cedo ou tarde alguém teria de dizer: a película de Jacques-Yves Cousteau é testemunha e sobretudo arma de uma exploração ambiental que, nos anos 50, era cool, mas que hoje é ultrapassada e moralmente cafona. 

O Mundo do Silêncio (Le Monde du Silence, 1956, França, Itália)
Direção: Jacques-Yves Cousteau, Louis Malle.
Roteiro: Jacques-Yves Cousteau
Elenco: Jacques-Yves Cousteau, Louis Malle, François Saout, Frédéric Dumas, Albert Falco, André Laban, Denis Martin-Laval, Henri Plé, Étienne Puig, Albert Raud, Emile Robert, René Robino, André Bourne-Chastel, Marcel Colomb, Simone Cousteau, Jean Delmas, Jacques Ertaud, Norbert Goldblech, Fernand Hanae, Maurice Leandri, Paul Martin, Jean-Louis Teicher, Jojo.
Duração: 86 min.  

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