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Crítica | Desencantada

A vida sem o faz de contas.

por Felipe Oliveira
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O que vem depois do “felizes para sempre“, desfecho amplamente reproduzido em histórias de contos de fadas e comédias românticas? Pensando numa resposta, é como a esperada sequência de Encantada tenta justificar seu retorno ao cutucar um código convencional do gênero. Diferente do argumento de Billy Kelly, que se dispôs a contrapor os arquétipos das princesas da Disney ao empurrar a chamada Giselle para o abismo do mundo real, Desencantada não sabe como sustentar o questionamento proposto para sua metalinguagem.

Mais do que ter essa pergunta propulsora, o roteiro de Brigitte Hales precisa questionar o que isso significa para o universo da princesa vivida por Amy Adams. Quando lançado em 2007, o capítulo anterior chegava contestando uma bagagem de convenções utilizando da autosátira e autoparódia pelo prisma da comédia romântica, e agora, o roteiro de Hales se contenta a uma medíocre configuração em que Giselle sente falta da monótona felicidade do reino de Andalasia e deseja resgatar isso frente a frustração de lidar com a dinâmica familiar ao lado de Robert (Patrick Dempsey), um bebê, e finalmente, a crescida Morgan (Gabriella Baldacchino) que obviamente, não tem mais o mesmo vislumbre que tinha sobre as histórias de contos de fadas que ouvia.

O “desencantada” do título é em alusão ao desapontamento de Giselle ao que seria o “felizes para sempre” depois que recebeu o beijo de amor verdadeiro, e também, ao descrédito de Morgan ao mundo fantasioso que alimentava, e na pior das ironias, é sobre um filme que perdeu seu encanto. A maneira como a trama se apresenta, com um gancho metalinguístico de uma história de contos de fadas que quebrou o ciclo para mostrar o outro lado moeda, o além do final feliz, rapidamente se comprova um artifício inútil numa premissa que parece não entender o legado de um clássico a que pertence. Aliás, é como se o roteiro quisesse oferecer uma perspectiva oposta ao anterior, sendo engessado e também inofensivo, o que faz pensar o que aconteceria se essa não fosse uma sequência, mas um prequel ou até mesmo requel

Se bem que já se passaram quinze anos desde o primeiro filme, então, Hales, que escreveu alguns episódios de Once Upon a Time, precisaria apresentar um roteiro mais criativo e inteligente. Se engenhosamente Kelly transportava o conto de fadas para a comédia romântica, o texto de Disenchanted usa o viés do coming of age como forma de trazer novos conflitos para Giselle. Mas que contestações dá para extrair quando a encantada de Andalasia quer tratar uma adolescente como uma pequena princesa? Ou o que tem de engraçado em Giselle não entender o que é um sarcasmo?

São escolhas para o andamento da trama que deixam a desejar e reafirmam a falta de concepção e personalidade na hora de seguir com a produção do filme. É muito bom ter Amy Adams de volta e carregando a mesma ternura e entusiasmo para interpretar a plena ingenuidade de uma princesa, contudo, é um talento que não dá conta de compensar tudo o que há de errado no longa; uma grande perda de tempo, supérfluo, caricato e imaturo. É um filme que não aprendeu com o que foi feito e nem foi pensado para ressoar uma nova reflexão em nossos imaginários, afinal, nunca contrapõe o depois dos “felizes para sempre”.

Desencantada ainda é um filme que tenta capturar brevemente nostalgia, seja no cantar icônico de Giselle pela janela e na interação com os bichos, ou na mistura de animação clássica e CGI, como se isso mantivesse a essência do que fez Enchanted um contraponto mágico e fugaz, mas essa sequência dirigida por Adam Shankman, conhecido pelos longas de comédias e do musical Hairspray – Em Busca da Fama, mais parecer pintar um quadro sem inspiração, e só reproduzindo alguns traços. Porém, é válido quando os arcos com traços de A Bela Adormecida, Cinderela e Rapunzel conseguem resultar em algo além das referências, com Adams e Maya Rudolph e sua Malvina tirando o melhor disso ao disputarem pela coroa da maior rainha má de Monroeville, rendendo o grande número musical e divertido Badder.

Desencantada carece da sagacidade e pretensão que fez do seu anterior um ato memorável, ainda que criticasse de forma moderada os arquétipos de princesas, pois afinal, além de autoparódia, queria prestar uma autohomenagem ao seu estúdio. Enfadonho como musical, e constrangedor pela falta de maturidade, Disenchanted é a dita sequência que tenta surfar nas lembranças de seu precursor, mas que nunca consegue justificar o seu retorno, deixando no ar a promessa do que poderia ter sido.

Desencantada (Disenchanted – EUA, 18 de novembro de 2022)
Direção: Adam Shankman
Roteiro: Brigitte Hales (baseado nos personagens de Bill Kelly)
Elenco: Amy Adams, Patrick Dempsey, Gabriella Baldacchino, Maya Rudolph, Yvette Nicole Brown, Jayma Mays, Idina Menzel, Kolton Stewart, James Marsden
Duração: 121 min.

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