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Crítica | Dias Ardentes (2022)

Crise hídrica e dilemas morais.

por Luiz Santiago
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Existem arranjos sociopolíticos que, independente do lugar do mundo onde existam, possuem sustentações similares e as mesmas estruturas de poder e interesses econômicos como objetivos finais. Em seu quarto longa-metragem, o diretor turco Emin Alper segue abordando problemas sociais de seu país, investigando as variadas formas de exercício da violência, do abuso de poder e das misérias humanas. Em Dias Ardentes, o jovem promotor Emre (Selahattin Pasali, em interpretação contida, mas cativante) é nomeado para a cidade de Balkaya, na província de Erzincan, interior da Turquia. Ele ainda não sabe, mas substitui um promotor anterior que simplesmente desapareceu do local, após suspeitas de ter sido envenenado.

O discurso que guia Dias Ardentes é sobre as dificuldades de adequação de uma nova ordem em um ambiente que mistura tradições diversas (com ações físicas motivadas por ideologias) às mais diferentes formas de corrupção. A construção inicial da obra versa sobre o domínio de uma família na prefeitura da cidade, que está em campanha eleitoral e lida com o problema da água na região, aguardando ansiosamente o julgamento sobre escavações que têm provocado inúmeros desabamentos, num processo erosivo acelerado pelas máquinas que pretendem chegar ao lençol freático. O roteiro, porém, não se contenta com esse problema central, e amplia as linhas de ação do longa para campos mais pessoais, muitos até de cunho moral, tornando ainda mais difícil a estadia do novo promotor na cidade.

O que faz um jovem bonito, promotor de justiça, ainda estar solteiro? Isto certamente não é algo bem-visto pelos olhos conservadores de uma província rural. De forma bastante sutil, o diretor vai explorando as questões ligadas à sexualidade de Emre, especialmente após o seu contato mais frequente com Murat, (Ekin Koç, de O Protetor do Irmão), um jornalista de oposição, filho adotivo do antigo prefeito da cidade. O desenvolvimento do enredo vai alternando os muitos problemas da cidade ao lado dos problemas pessoais desses personagens. A falta de água é a linha dramática que costura as relações políticas. Já a questão da sexualidade de Emre e sua possível relação íntima com Murat é a linha que pouco a pouco ganha mais relevância e se torna um dos motivos centrais da fita, havendo, inclusive, o uso metafórico da tão citada “caça aos javalis” aplicado à caça que o prefeito, seu filho e aliados violentos fazem aos “jovens depravados“. Um momento resolvido por um Deus Ex Machina conveniente demais (e por isso mesmo, quase inconveniente), mas que não consegue tornar o filme ruim.

Belíssimos planos com fotografia de cores quentes mostram os momentos de reflexão do promotor e as suas muitas tentativas de se lembrar do que aconteceu em uma noite que passou na casa do filho do prefeito. A noite em que uma jovem cigana com problemas mentais foi estuprada e espancada. É quase um outro filme dentro do filme, com desenvolvimento narrativo genuinamente angustiante e que torna o texto mais complexo, pois não sabemos a quem atribuir a culpa pelo crime e não sabemos quais são os interesses por trás das ações dos agentes da lei e da justiça no local. Do lado político, há todo um interesse em boicotar e em expulsar Emre da cidade. Ou fazer com que ele jogue com os interesses da atual prefeitura corrupta, que quer ganhar em cima da crise hídrica e, claro, permanecer no poder. Essas relações de grandes interesses é que colocam o promotor em maus lençóis, fazendo com que angarie novos e poderosos inimigos a cada dia.

Dias Ardentes é um drama intenso e aflitivo que aborda problemas sociais e questões de liberdades individuais numa cidade pequena, manipulada por uma mídia controlada e por pessoas que querem apenas lucrar com as dificuldades da população. As tradições dessa cidade rural da Turquia se chocam com as escolhas pessoais e o trabalho honesto de um novo promotor, fazendo com que os poderosos prejudicados pelas ações legais tomem a atitude de sempre, para esse tipo de grupo: usem a mentira, a difamação e a violência física para se verem livres de seus inimigos. E a roda da História no local permanece girando como sempre girou.

Dias Ardentes (Kurak Günler) — Turquia, França, Alemanha, Holanda, Grécia, Croácia, 2022
Direção: Emin Alper
Roetiro: Emin Alper
Elenco: Selahattin Pasali, Ekin Koç, Hatice Aslan, Erol Babaoglu, Ali Seçkiner Alici, Selin Yeninci, Erdem Senocak, Eylül Ersöz, Onur Gürçay, Sinan Demirer, Nizam Namidar, Görkem Ipek, Ismail Bahadir Peker, Enver Husrevoglu, Mehmet Kervanci
Duração: 129 min.

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