Home FilmesCríticas Crítica | Abracadabra 2

Crítica | Abracadabra 2

Repetição e previsibilidade.

por Fernando JG
2,K views

No Século XVII, três pequenas irmãs são banidas de um vilarejo de Salem por violarem regras do catolicismo e se recusarem a casar. Refugiadas na floresta, são cooptadas por uma bruxa que revela-lhes o poder dentro delas. Passa-se, então, os séculos, os acontecimentos do primeiro filme e finalmente chegamos ao XXI – e de novo são ressuscitadas, mas agora as irmãs Sanderson estão mais decididas do que nunca a garantir a plena eternidade e juventude à custa de toda e qualquer criança. 

O que você espera, exatamente, de Abracadabra 2? Caso espere uma continuação que retome o primeiro e que ofereça novos elementos ao argumento principal, se fazendo igual ou superior ao seu antecessor, é uma espera em vão. Em caso de não se lembrar do primeiro longa-metragem, este será um bom filme. Mas se por uma razão você tiver revisto aquela película de 1993 sabe que há aqui uma dialética insuperável entre repetição e previsibilidade. 

Embora não seja eu um purista quando se trata de material artístico, fica muito claro que este projeto deveria conservar o que já fora feito e dar por encerrado o argumento naquele primeiro momento. Sabemos que desde Abracadabra 1 havia alguns easter eggs que poderiam oferecer uma continuidade ao enredo, como, por exemplo, a existência de duas velas mágicas que dão sobrevida às bruxas. Isto é, utilizada apenas uma no primeiro filme, a segunda poderia trazê-las à vida novamente. O problema encontra-se logo naquela velha proposição aristotélica em um dos primeiros tratados de arte que temos notícia: na Poética, Aristóteles coloca algo muito simples, que é o de que toda a narrativa deve seguir um preceito básico de verossimilhança e necessidade. Em Abracadabra 2, não importando muito a verossimilhança, uma vez que seu gênero fantasia já é a ruptura absoluta disso, importa-nos apenas a necessidade. Era necessário?

Sou defensor de um projeto completo, em que desde o início se pense ideias para o filme 1 e o 2, de modo que não se repitam, mas se complementem e se complexifiquem, algo que só é possível se previamente elaborado. Essa película da diretora Anne Fletcher é apenas um trabalho visível de empolgação momentânea em que, muitos anos após o primeiro, se pensou em dar alguma continuidade, mesmo que não houvesse a plena necessidade. É claro que desde a década de 90 se discutiam projetos para uma sequência, mas isso nunca saiu do papel, senão agora, numa continuação tardia e, portanto, que não tem nada a oferecer de novo no plano narrativo, salvo uma reatualização do primeiro filme. Por que não se chama, então, “Abracadabra atualizado”? Isso não é uma continuação, mas uma releitura, reposição, uma repetição, adaptação moderna do clássico. Não é preciso ter o roteiro em mãos para saber que este não tem nada a complementar aquele. 

Já que tratarei deste filme como aquilo que ele é, quero dizer, uma releitura, observamos que, de algum modo, ela é corajosa porque moderniza o seu enredo e alguns dos problemas fílmicos. São introduzidos debates contemporâneos e questões ligadas às minorias políticas como protagonistas feministas e casais LGBTs no curso da trama. Está muito sutil, quase imperceptível, mas dá a ver em algumas sequências. O casal de protagonistas, creio eu, é um casal de meninas do Ensino Médio. É importante que o filme faça essa modernização do seu enredo, afinal, um trio de bruxas jamais poderia, hoje, passar ileso às questões que estão em voga no debate social, porque o próprio conceito de bruxa é mesmo uma alegoria à figura da mulher independente, mas isso já é um outro porém, que o filme não deixa de tangenciar. Veja também que há uma mensagem de irmandade entre as mulheres. Não estão à toa dois grupos principais: as três bruxas más (que em tudo se apoiam) e as três heroínas do filme. Nisso, não serei injusto e reconheço que há uma tentativa de aprofundar a sociologia da trama.

A sociologia da trama mais complexa do que a do filme anterior, que se contentava numa moral apenas fabular, como aquelas dos irmãos Grimm coisa e tal, não esconde a pobreza narrativa, que se mostra cada vez mais sem criatividade, engenho e labor artístico. Em tudo este filme copia o primeiro e em nada o continua ou complexifica. Mimese. Quero dizer, falar em mimese nessa obra é elevá-la a um patamar imerecido, porque mimese pressupõe seguir uma tradição narrativa na tentativa de superar a anterior, o que não acontece aqui. Em palavras menos amigas: cópia. Autoplágio.

A estrutura é a mesma: dos segundos iniciais do primeiro ato ao fim do terceiro. Se inicia naquele fatídico Século XVII, depois corta para a contemporaneidade, introduz-se personagens no colégio para em seguida fazê-las trazer à vida as bruxas num mesmo ritual que o filme de 1993. Não paramos por aí. A escola, a festa, os motivos, as crianças. As pessoas são encantadas na festa e aí elas, as bruxas, têm a noite livre para trabalhar de maneira maquiavélica enquanto são procuradas por nossas heroínas caça-fantasmas. Em tudo igual ao primeiro, a resolução dramática sequer ousa em mudar algo e investe também em duas resoluções: as bruxas são despachadas ali no final do segundo ato e temos um “primeiro fim”, um falso-encerramento, e então elas retornam e temos mais trinta minutos de película e se encerra verdadeiramente. Como eu disse, pobreza narrativa porque se vale de um produto já estabelecido para forjar um algo que é mais do mesmo, e até pior. Este é um filme de explicações. Ele tenta explicar alguns fatos jogados e assim há uma pseudo-conexão com o enredo anterior. 

Ao se dedicar a uma continuação, não se deve repor algo já visto, mas, ao fazer o diálogo com a tradição, colocar novos pontos. Não estamos interessados em ver as mesmas aventuras adolescentes e as mesmas bruxas concluindo as mesmas ações. Estamos interessados em saber quem são essas bruxas, a que se deve suas ações, isto é, aprofundar a psicologia fantástica dessas protagonistas maquiavélicas e oferecer ao projeto novos elementos que complementem aquilo que já fora tão bem explorado antes. Uma continuação não é uma repetição. O que caberia aqui seria um desenvolvimento de personagem e não a exploração da mesma história de Halloween. 

Sem potencial narrativo algum para um terceiro filme, Abracadabra 2 surge de um lugar que não deveria ter saído, amargando e envenenando uma nostalgia que, outrora encantada, se converte num desprezo gerado pela constatação de um trabalho guiado, a rigor, pelo capricho daqueles que estão à frente da produção. Sem absolutamente nada a oferecer em termos de narratividade, apesar da moderna atualização da sociologia de enredo e do óbvio progresso de imagens e dos efeitos visuais, Hocus Pocus 2 é um trabalho pretensioso porque carrega no seu legado o peso de um projeto já canonizado, por isso o seu ar de pretensa superioridade e de plena certeza de uma adesão total do público à obra. O problema da necessidade expõe enfim a contradição que rege a estrutura da sequência, contradição esta que nada mais é do que o embate entre, por um lado, vender a ideia de um produto novo e, por outro, se valer de um método extremamente questionável enquanto procedimento de feitura da obra, que é essa releitura mimética, isto é, uma não-novidade, um mais do mesmo, o que resulta, como resumi previamente, na falha. Eis o método e o erro de Abracadabra 2. 

Abracadabra 2 (Hocus Pocus 2, EUA, 2022)
Direção: Anne Fletcher
Roteiro: Jen D’Angelo, David Kirschner, Blake Harris
Elenco: Bette Midler, Sarah Jessica Parker, Kathy Najimy, Sam Richardson, Doug Jones, Pico Whitney, Belissa Escobedo, Tony Hale, Hannah Waddingham
Duração: 103 min. 

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais