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Fora de Plano #92 | Jamie Lee Curtis: Uma Análise Dramatúrgica

Um passeio pela trajetória da atriz Jamie Lee Curtis

por Leonardo Campos
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Dinâmica e versátil em suas escolhas ao longo de uma carreira com mais de quatro décadas de filmes, Jamie Lee Curtis é uma atriz bastante talentosa. O fato de nunca ter ganhado um Oscar não significa que a intérprete seja menor que outras colegas de sua geração, afinal, como sabemos, apesar da legitimação das premiações anuais, muita gente de grande valor artístico nunca teve o devido reconhecimento no ramo da indústria e suas douradas estatuetas. Também roteirista, ativista, diretora e blogueira nas horas vagas, a atriz já escreveu livros, ganhou estrela na calçada da fama em 1998 e atualmente, é destaque na nova trilogia da franquia Halloween, retomada turbinada do clássico de 1978 que a lançou ao ramo onde se encontra até os dias atuais. Sarcástica, de fala eloquente e postura politizada, Curtis conseguiu se desvencilhar do berço de ouro que marcou a sua jornada inicial e demonstrou coesão, garra e versatilidade nas escolhas ao longo de sua carreira. Filha de Tony Curtis e Janet Leigh, dois nomes de peso no cinema hollywoodiano, a atriz tinha tudo para se encostar diante do sucesso dos pais, mas decidiu trilhar o seu próprio caminho e assim, conseguiu se manter, até então, relevante no mercado cinematográfico e televisivo, numa cultura misógina e adepta ao ageísmo.

Nascida em 22 de novembro de 1958, Jamie Lee Curtis teve uma carreira de altos e baixos. Em sua vida pessoal, gostou sempre de ser discreta e evitar escândalos, tendo enfrentado o alcoolismo durante uma fase tenebrosa, além do risco de vida quando passou por procedimentos cirúrgicos estéticos danosos que não saíram como o programado. No preâmbulo de sua jornada como atriz, teve que driblar o lugar que a indústria insistia em mantê-la: o de final girl, arquétipo do subgênero slasher, haja vista os convites para participação em A Morte Convida Para Dançar, O Trem do Terror e outros filmes do segmento, desdobramentos do sucesso de Halloween: A Noite do Terror, de 1978, dirigido e escrito por John Carpenter, numa parceria com Debra Hill, também produtora do clássico que estabeleceu de uma vez por todas o estilo de filme de terror com um assassino mascarado, motivado ou não por vingança, a aniquilar jovens numa data específica do calendário ou num encontro qualquer destas figuras ficcionais num acampamento.

Tributário de sua presença no sistema de celebridades e famosos da contemporaneidade, a narrativa que a lançou com força total trouxe ao mundo Laurie Strode, uma jovem circunspecta e inteligente que consegue sobreviver ao império de matança e mistério do psicopata Michael Myers, mascarado que foge do hospício onde se encontra internado por longos anos, após o assassinato de sua irmã, estabelecendo uma noite de pavor na pacata Haddonfield, uma cidade amena que nunca pensou viver momentos de puro terror. Forte, a sua personagem é uma jovem mulher que se sobressai pela inteligência, por se manter atenta aos sinais de que algo está muito errado na mesma noite que as suas amigas se entregam aos prazeres carnais e não sentem a presença da maligna representação do bicho-papão. De consciência aguçada, Laurie Strode deixa a vulnerabilidade de lado e mesmo assustada, decide investigar o que pode estar por trás da atmosfera de mistério de uma noite onde o numinoso domina do Dia das Bruxas.

O sucesso do filme logo despertou interesse numa continuação, parte integrante da Safra 1981 do Slasher, o ano em que foram lançados quase quarenta slashers nos cinemas, uma abundante oferta de jovens alcoolizados e sexualmente ativos, mortos por algum maníaco motivado por questões das mais diversas. Para a continuação, os realizadores tiveram que pensar numa estratégia para resgatar a mínima atmosfera do primeiro filme e criar algo relevante, mas os resultados são questionáveis, apesar de seus pontos positivos. Em Halloween 2: O Pesadelo Continua, descobrimos que Laurie Strode é irmã de Michael Myers, por isso, continuará sendo perseguida pelo psicopata, desta vez, no hospital em que se encontra internada para recuperação dos traumas da noite do Dia das Bruxas. Situado algumas horas depois dos acontecimentos do filme de 1978, a sequência foi a última aparição de Jamie Lee Curtis até Halloween H20: Vinte Anos Depois, o ótimo retorno para a franquia, presente de duas décadas para todos os fãs.

Neste que é um dos melhores momentos do universo em questão, Laurie Strode ainda é irmã de Michael Myers, numa produção que ignorou as tramas de todos os filmes realizados após a narrativa de 1981, situada no hospital. Agora, Michael Myers está de volta e decide investigar o paradeiro da irmã, uma mulher que mudou de nome e cidade. Diretora de uma suntuosa escola, localizada numa região distante dos grandes centros urbanos, Strode se chama Keri Tate e tem um filho, oriundo de um casamento que não deu certo, tendo em vista os seus traumas e a sua personalidade complicada. Constantemente acompanhada por medicações para o seu sistema neurológico, a personagem precisa encontrar forças para enfrentar o antagonista que a reencontra, desta vez, despreparado para a postura firme e lutadora desta protagonista munida de mais astúcia e habilidade para lidar com o seu monstro. Implacáveis, ambos os personagens estão ótimos em cena, num filme que tinha tudo para encerrar a jornada entre Laurie e Michael, mas, como o sucesso de crítica e bilheteria foi estrondoso, uma continuação foi programada.

Jamie Lee Curtis relutou para retornar, mas por questões contratuais, precisou participar ao menos da cena de abertura. É o que contemplamos em Halloween: Ressurreição, um dos piores filmes da franquia, desequilibrado logo em seu preâmbulo, com Michael Myers a aniquilar Laurie Strode no hospício para o qual ela foi enviada depois dos acontecimentos de H20. Sim, para quem já assistiu, somos informados que Strode não matou o irmão no final, mas um socorrista que tinha sido atacado por Michael, antagonista que trocou de lugar e pôs a máscara para conseguir escapar. Nesta bizarra virada de proposta narrativa, a protagonista foi tida como louca e internada, enfrentando o seu algoz pela última vez, antes que o mesmo siga a sua trilha para Haddonfield, tendo em vista reencontrar a casa onde morou, lugar agora palco de um reality show focado na história do assassino. Lá, como já é de se esperar, ela fará mais uma trilha de corpos.

Para quem acreditava que a saga de Laurie Strode e Michael Myers tinha acabado no oitavo filme da franquia, precisou esperar, com desconfiança, pelo retorno ao filme de 40 anos, lançado em 2018, sucesso de crítica e bilheteria, um slasher de muita classe, com retorno de personagens valiosos deste universo, além de narrativa coesa e bem dirigida por David Gordon Green. Depois de muita insistência, a atriz foi convencida e o retorno ganhou forma. A sua participação trouxe também John Carpenter como consultor criativo e compositor da trilha sonora. Desta vez, com exceção da produção de 1978, todos os demais filmes da franquia foram ignorados: Michael e Laurie não são irmãos e a personagem, uma insana mulher solitária e desgostosa da vida, enfrenta a ameaça do antagonista que escapa de sua transferência da instituição psiquiátrica. De volta ao espaço de Haddonfield, os espectadores lidam com uma noite de caça e incertezas, com muitos bons momentos e um desfecho bem amarrado e feminista, ressoante do #metoo, com mulheres de uma família unidas para aniquilar a opressão de um vilão masculino.

Como tudo que faz sucesso gera novas empreitadas, Halloween (2018) se tornou parte de uma nova trilogia, continuada em Halloween Kills: O Terror Continua, filme focado nos desdobramentos do Efeito Manada e na Cultura da Desinformação, produção com recepção mista e criticado por exagerar na presença da nova moda do slasher: o personagem-legado. A jornada se encerra em 2022, com Halloween Ends, narrativa que traz Laurie Strode e Michael Myers em seu último embate. A trama se concentra no momento de escrita da protagonista, focada em suas memórias, e no retorno do desaparecido antagonista, de volta para aterrorizar, mais uma vez, os habitantes da cidade. Ainda na seara do terror, com toques de slasher, vale ressaltar a participação da atriz nas duas temporadas da metalinguística Scream Queens, no papel da reitora Cathy Munsch, uma mulher fora dos limites do politicamente correto, personagem que lhe permitiu uma belíssima homenagem ao clássico proto-slasher Psicose, de Alfred Hitchcock, na referência ao icônico assassinato no chuveiro, interpretado por sua mãe, Janet Leigh. Na trama, uma série de mortes começam a acontecer vinte anos após um incidente do passado que retorna para abalar as estudantes da Universidade de Wallace.

Numa volta aos anos 1980, precisamos destacar a participação de Jamie Lee Curtis em A Bruma Assassina, dirigido por John Carpenter, filme de terror fantasmagórico sobre eventos misteriosos que tomam uma cidade balneária fundada com base na morte de um grupo de piratas, de volta para cobrar dívidas de um passado de sangue. Nesta comunidade pesqueira, uma misteriosa bruma traz as entidades sedentas por vingança, algozes daqueles que descendem dos fundadores de Anthony Bay. Aqui, ela interpreta Elisabeth Solley, uma personagem central da história, mas não protagonista. Em 1988, o seu tom cômico lhe garantiu uma indicação ao Globo de Ouro no papel da golpista Wanda Gershwitz, parceira de um esquema criminoso que dá errado e gera um montão de trapalhadas, numa trama sobre sedução e testemunhas que precisam ser apagadas, com direito até a uma fuga dos criminosos para o Brasil, terra da impunidade e território dos amados estereótipos da era da reprodutibilidade técnica.

Os anos 1990 foram bastante agitados para a atriz que esteve em Eternamente Jovem, drama dirigido por Steve Miner sobre homem que fica transtornado com o atropelamento e morte da esposa, tornando-se voluntário de um projeto experimental que está programado para deixa-lo um ano em suspensão, mas após um acidente no laboratório, acaba congelado por 50 anos, a despertar na atualidade e ser ajudado por um garoto, juntamente com a sua mãe, personagens que colaboram com a sua integração num mundo completamente diferente. É um drama honesto e redondinho, com a atriz no papel de Claire Cooper, sua primeira experiência com o cineasta que depois a dirigiria em Halloween H20: Vinte Anos Depois. Recorrente na Sessão da Tarde, tal como Meu Primeiro Amor, drama romântico de 1991 sobre uma garotinha obcecada pela morte após a perda da mãe. Ela é figura ficcional doce que sente a ausência do pai, um agente funerário distante e pacato. Torna-se amiga do pequeno Thomas, o alérgico personagem de Macaulay Culkin, filho de Shelley DeVoto, papel de Curtis. O final, para quem conhece, é um dos mais lacrimejantes da época, integrante de um filme simples, com diálogos espontâneos.

A maternidade volta, mais uma vez na trajetória dramática da atriz, com o selvagem e sórdido suspense Paixão Assassina, de 1993, trama que segue a linha das mulheres fatais ressoantes de Atração Fatal e Instinto Selvagem. Dirigido por Yves Simoneau, a trama nos apresenta Curtis como Madigan, uma mulher completamente insana, na busca pelo tormento do ex-marido, um homem que seguiu a sua vida e concebeu uma nova relação afetuosa, diferente da ex-esposa, figura desequilibrada que utiliza o filho e alguns atributos nada éticos para infernizar a vida de todos. Irregular, a produção emula o arquétipo da mulher fatal em sua trilha sonora, direção de fotografia e figurinos, integrando-se ao que se produzia muito na época, haja vista Corpo em Evidência, Jade, dentre outras narrativas que buscaram atrair os interessados pelas personagens de Glenn Close e Sharon Stone, as mulheres fatais dos clássicos modernos anteriormente mencionados, um estilo de filme ainda muito recorrente na atualidade, mas que teve o seu ápice nos anos 1990, era de prestígio para as histórias com característica neo-noir.

No terreno dos filmes de ação, a atriz marcou presença em duas produções de peso na década em questão: True Lies, de 1994, e Vírus, de 1999, dirigidos por James Cameron e John Bruno, respectivamente. No primeiro, ela interpreta Helen Tasker, esposa do personagem de Arnold Schwarzeneger, uma mulher frustrada com seu casamento, arrastada para o perigoso mundo de emoções de seu marido, um agente secreto turbinado, versão mais frenética do mundo de 007. No segundo, como Kit Foster, ela adentra numa trama baseada em quadrinhos sobre um navio assolado por uma entidade extraterrestre malévola que pretende escravizar a humanidade e tornar todos os habitantes do planeta em ciborgues, trama que é bem a cara do pensamento da época, a virada do milênio, era das incertezas diante das máquinas.

Sem tanta ação e com foco no ritmo sensual de sua trama, Jamie Lee Curtis esteve também, em 2001, como Louise Pindel em O Alfaiate do Panamá, ao lado de Pierce Brosnan. Dirigida por John Boorman, ela é parte de uma história sobre um mulherengo agente britânico enviado ao Panamá para desvendar os planos do presidente em relação ao polêmico canal da região. Num mundo de muitas conspirações, o alfaiate que veste os poderosos se torna um espião. Aqui, ela é a esposa do alfaiate, mulher que se deixa levar pelo charme do protagonista mergulhado na espionagem. Em 2003, a atriz esteve no divertido Sexta-Feira Muito Louca, a trocar de corpo por um período com a sua filha, interpretada por Lindsay Lohan numa fase bastante produtiva da carreira, antes de sua derrocada. No papel de Tess Coleman, Curtis garante um bom desempenho nesta trama sobre confusões familiares, personagem similar ao de Gail em Você de Novo e Nora Krank, no enfadonho Um Natal Muito, Muito Louco. Ainda na seara das confusões entre parentes, temos o olhar sofisticado de Rian Johnson, na direção do misterioso e humorado Entre Facas e Segredos, de 2019, narrativa sobre a morte de um renomado escritor, situação que estabelece um painel de suspeitos, sendo Linda Drysdale, personagem de Curtis, uma destas supostas pessoas culpadas pelo enigmático assassinato.

Diante do exposto, caro leitor, podemos observar o quão versátil é a carreira desta atriz talentosa, engajada, ainda muito atuante e que aparentemente tem muitas contribuições para o mundo das artes. Você, o que acha? Qual o melhor personagem de Jamie Lee Curtis em sua opinião?

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