- Há spoilers. Leia, aqui, as críticas da série, e, aqui, as críticas de todo nosso material do universo The Walking Dead.
Dee é mais uma história com um conceito que me surpreendeu em Tales of The Walking Dead. Eu não estava esperando que a série fosse “reciclar” personagens dos outros seriados em seus contos, mas, bem, cá estamos com um episódio que conta a origem da antagonista Dee/Alpha (Samantha Morton) e sua filha Lydia (Scarlett Blum), antes dos Sussurradores e antes de Beta. Confesso que a linha do tempo me parece estranha, uma vez que, ao final do episódio, Dee é encontrada pelos Sussurradores, indicando que a personagem e Beta não formaram o grupo, como havia sido estabelecido na série original. No entanto, deixando a cronologia de lado, a ideia de trazer um prelúdio de Alpha é muito boa e a execução criativa também é sólida.
De início, gosto do cenário onde acontece a história. As duas personagens fazem parte de um grupo de sobreviventes que se escondem em um barco que navega pelos pântanos, longe dos mortos em terra. A locação traz uma atmosfera de suspense, como normalmente acontece em cenários de pântanos com suas névoas misteriosas, paisagem mórbida e vegetação com aparência morta. A direção utiliza desses pequenos detalhes para reforçar uma pegada de suspeita e mistério na narrativa, seja com shots de vultos, seja o enfoque para a natureza desconfiada de Dee. Tudo é muito básico, claro, com uma direção se aproveitando apenas dos artifícios mais comuns neste tipo de cenário, mas ainda é um episódio com boa ambientação.
O roteiro tenta trazer a mesma pegada para os eventos dentro do barco, com personagens e acontecimentos suspeitos ocorrendo ao redor de Dee, enquanto o restante do grupo duvida da personagem. É aqui que as coisas não funcionam muito bem para mim, começando pelas atuações amadoras do casal que comanda o barco, os diálogos sofríveis entre esses personagens (a “líder” toda hora falando de beleza e aparência é pura chatice) e uma “reviravolta” super previsível e totalmente sem tensão quando o garçom toma o barco. Ele fica fazendo uns monólogos simplesmente ridículos sobre a comandante do barco, e a maneira como a situação se resolve é corrida e anticlimática.
Minha maior decepção é o fato de não terem explorado melhor o conceito da história. Dentro da embarcação há algo próximo de uma hierarquia econômica e também costumes de gente rica, trazendo conceitos das regras sociais para um “novo mundo”, algo que eu sempre gostei de ver neste universo, como acontecia com a criação de comunidades, tratados e territórios na série original. Infelizmente, isso acaba sendo detalhe, com a narrativa também deixando de desenvolver uma premissa investigativa e se negando a aproveitar os espaços do barco. Por um momento, pensei que teríamos algo próximo de um mistério de assassino, com sobreviventes vestidos com roupas de baile; um garçom suspeito; e uma psicopata desconfiada. Soa estranho, eu sei, mas seria melhor do que a ceninha do tiroteio.
Ainda assim, é incrível como a Alpha é uma personagem fascinante, e como Morton tem uma facilidade absurda para incorporá-la e capturar a audiência. Seu lento sotaque sulista e seus olhares psicóticos continuam dando calafrios, e a produção se aproveita com eficiência da personalidade da personagem e sua ideologia de sobrevivência a qualquer custo. As cenas na floresta com sua filha é o padrão de sobrevivência num apocalipse zumbi, com o formato de antologia limitando até onde pode ser desenvolvido, mas ainda há um bom draminha de mãe e filha ali dentro e uma boa história de origem, mesmo que corrida.
Tales of the Walking Dead – 1X03: Dee – EUA, 21 de agosto de 2022
Criado por: Scott M. Gimple, Channing Powell (baseado em obra de Robert Kirkman, Tony Moore e Charlie Adlard)
Direção: Michael E. Satrazemis
Roteiro: Channing Powell
Elenco: Samantha Morton, Lauren Glazier, Scarlett Blum, Rachael Markarian, Nick Basta, Eric Tiede
Duração: 46 min.