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Crítica | A Queda da Casa de Usher, de Edgar Allan Poe

Um conto síntese do legado e impacto cultural de Edgar Allan Poe.

por Leonardo Campos
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Cenários macabros, ambientação decadente, tanto em seus aspectos físicos quanto psicológicos, juntamente com passagens expoentes de uma natureza furiosa e perturbações comportamentais. Eis a síntese descritiva do conto A Queda da Casa de Usher, uma das obras-primas deste expoente do movimento romântico literário que desde o século XIX tem encontrado ressonâncias na história da arte, se configurando como referência na plasticidade de pinturas, peças teatrais, bem como narrativas cinematográficas e televisivas. Situado dentro de acontecimentos sobrenaturais inexplicáveis, o narrador do conto em questão é um personagem sem nome que vai passar alguns dias na mansão de um amigo de sua infância, Roderick, uma figura peculiar que toca instrumentos musicais sofisticados, pinta quadros exuberantes, além de desenvolver outras habilidades que são bem características do que se refletia na vanguarda literária dominante em 1839, ano de publicação deste clássico de Edgar Allan Poe, mestre do macabro na literatura.

Quando chega ao local, o personagem fica surpreendido com a ambientação assustadora onde seu amigo vive. Há a impressão de que tudo que é supostamente inanimado esteja vivo, dos arranjos e elementos do interior da casa aos arbustos e árvores frondosas que compõem a vegetação. Madeline, irmã de Roderick, dupla herdeira da Mansão Usher, parecem submersos nesta atmosfera sombria, dominada pelo mistério, com sensação de opressão constante. Vitimado por uma condição de saúde comprometedora, o amigo do narrador tem os seus sentidos cada vez mais aguçado, numa cadência de exposição de suas impressões e conturbações psicológicas que deixa o visitante arrepiado e bastante intrigado. Ao ler a carta de Roderick e partir para o ambiente em questão, ele imaginava alguma estranheza, mas nada como o desenvolvido presencialmente neste espaço lúgubre e agoniante.

Assim, o personagem vivencia momentos de alucinações alheias, morte, sepultamento, coisas que o deixam a se questionar sobre a sua própria sanidade. Ao passo que a narrativa avança, a casa do título vai se decompondo, tal como o estado psicológico das figuras ficcionais que atravessem o conto, numa representação literária do gótico que se ramificou na cultura e aparentemente foi inspirada na história de uma casa demolida anos antes, notícia divulgada nos jornais da época, lugar onde acontecimentos misteriosos demarcaram a sua memoria. A Queda da Casa de Usher, como descrito numa análise sobre o autor, é pura poética da ruína, publicada num período onde o público não queria admitir a existência de uma face obscura e grotesca em todas as pessoas. Alvo de muito preconceito, Edgar Allan Poe tinha predileção por temas que delineiam os sentimentos e ações hediondas, tais como crueldades, vinganças e assassinatos, algo que comprometeu a sua recepção e só lhe trouxe reconhecimento póstumo.

Mesmo diante de todo o seu vigor criativo, histórias matematicamente elaboradas, bem como outros atributos que o colocam como importante presença no campo da literatura mundial, o escritor precisou lidar com a incompreensão da época. Por sinal, o escritor analisa o seu conto no ensaio A Filosofia da Composição, inicialmente publicado em 1940, posteriormente revisado em 1945, texto que reflete o modo de operação na criação de uma história onde os elementos espaciais possuem dimensão de importância em completa associação com os perfis e necessidades dramáticas dos seus personagens. Produzido na esteira de A Queda da Casa de Usher, o ensaio flerta com a apropriação do gótico inglês, em especial, a ambientação medieval de O Castelo de Otranto, de Horace Walpole, estilo importado para os Estados Unidos e adaptado para as antigas habitações aristocráticas presentes nos contos de Poe.

No desenvolvimento do ensaio, Poe declara que Usher é um personagem erudito e que o leitor pode vislumbrar isso por meio da constituição espacial, haja vista a presença de muitos livros, instrumentos musicais e quadros expostos. Em sua “direção de arte”, há “muitos quadros que suavizam a superfície da parede”, “um piano sem capa e aberto”, “algumas leves prateleiras, graciosamente penduradas, de ângulos e cordões de seda carmesim”, responsáveis por sustentar “duzentos ou trezentos livros magnificamente encadernados”. Dessa forma, no ensaio, Poe racionaliza sobre cada objeto do ambiente, explicando-lhe os significados para o desenvolvimento da narrativa. Em sua concepção, cada parágrafo sobre quebra-luz, cortinas e tecidos, papéis de parede, vidros e espelhos, madeira e tapetes, dentre outros objetos, desdobra-se sobre questões filosóficas que nos faz aprofundar na dimensão psicológica dos personagens da narrativa. Poe reforça que a atmosfera do conto não é intuitiva, mas calculada, o que nos remete ao processo de construção do poema O Corvo, delineado em outro belíssimo ensaio, intitulado A Filosofia da Composição.

A casa é um ambiente de fundamental importância para o desenvolvimento da narrativa. Com seus arcos góticos, o interior é claustrofóbico e assustador, com diálogo constante com a atmosfera externa. As nuvens são opressoras, as sombras que rastejam pelos corredores, as tempestades e relâmpagos externos que ressaltam detalhes sonoros e imagéticos, bem como as rajadas furiosas dos ventos. Não há nenhum elemento que possa abrandar a atmosfera funesta da casa. Do lado de fora, por exemplo, a vegetação exuberante de outrora deu lugar para troncos e árvores apodrecidos, um lago silencioso e macabro, de onde exala odores desagradáveis. Em suas águas tonalizadas com cor de cobre, há uma decoração de fungi emaranhada pelos beirais, espécie de vegetação que não é dotada de folhas, flores ou coloração esverdeada, ao contrário, opaca e hermafrodita, pertencente ao reino dos elementos inorgânicos da natureza, numa alegoria da ausência de vida da casa e dos personagens. Em suma, uma obra-prima para ser lida e conhecida por todos aqueles amantes da literatura. Você, caro leitor, já conhece o conto?

A Queda da Casa de Usher (The Fall of the House of Usher) — EUA, 1839
Autor: Edgar Allan Poe
Publicação original: Philadelphia Dollar Newspaper
Edição lida para esta crítica: Edgar Allan Poe: Medo Clássico – Vol. 1 (DarkSide Books, 2017)
30 páginas

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