- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
É particularmente difícil escrever sobre os episódios de encerramento de temporada de For All Mankind. Não só eles são quase longas-metragens, como os showrunners não costumam deixar de abordar absolutamente nada, o que os torna normalmente carregados, ainda que não tumultuados. E, considerando o inesperado cliffhanger do astronauta norte-coreano ao final de Coming Home, que só acrescentou informação nova ao que já estava estabelecido, Stranger in a Strange Land tornou-se um desafio narrativo que, ainda bem, o roteiro de Matt Wolpert e Ben Nedivi soube trabalhar e desenvolver e que a direção de Craig Zisk soube colocar em tela sem maiores percalços.
Deixe-me, então, tentar desempacotar tudo com calma, mas também sem transformar a presente crítica em um tratado cansativo (espero!). Para começo de conversa, meu desejo de ver algo como Perdido em Marte ou Robinson Crusoé em Marte acabou mesmo acontecendo na forma de uma simples, mas esperta montagem que mostra um pouco das agruras do Tenente-Coronel Lee Jung-Gil (C.S. Lee, o Vince Masuka de Dexter), revelando que aquele homem que vemos apontando uma arma para Dani e Kuznetsov estava no limite de suas forças, prestes a cometer suicídio tamanha sua desesperança. Lee faz um trabalho silencioso, mas perfeito, transmitindo tudo o que precisa transmitir com seu olhar e seus discretos movimentos corporais, seja na tensão inicial, seja na tentativa de compreender os rabiscos de Dani, seja ele chegando ao módulo da Phoenix e pedindo para retornar ao seu posto, seja, ao final, ele falando com sua esposa.
Ainda em Marte, foi de levar lágrimas aos olhos (de quem chora, claro, o que não é meu caso…) a determinação imediata de todos os astronautas – seja da NASA, da U.R.S.S. ou da Helios – em sacrificar-se em prol de Kelly e seu filho nascituro, de forma que ela pudesse chegar na Phoenix com o combustível disponível. Era sem dúvida algo esperado em termos heroicos, mas foi bonito de ver mesmo assim, ainda que esse acontecimento, de certa forma, telegrafasse que tudo acabaria bem nessa operação de literalmente arremessar a astronauta grávida ao hotel convertido em nave. Toda a operação, aliás, foi muito bonita de ver, mas ela foi mais bonita ainda em razão do trágico contraste que os eventos na Terra criaram.
Apesar de eu não ter adorado o retorno dos amigos terroristas de Jimmy, agora preparados para explodir o prédio principal do Johnson Space Center, por ter me parecido algo desgarrado do que estava sendo desenvolvido nesse lado da história, tenho que reconhecer que o atentado, que faz a mímica do que ocorreu em Oklahoma City, em 19 de abril de 1995, por Timothy McVeigh e Terry Nichols, foi uma sacada muito boa do roteiro que criou a diversas oportunidades de tensão e sacrifício na Terra, ao mesmo tempo em que valorizou tudo o que vemos acontecer em Marte, seja a chegada de Kelly na Phoenix, seja o pouso forçado de Ed no Planeta Vermelho. Em outras palavras, a terrível tragédia veio como uma maneira de multiplicar o efeito da esperança e trabalho conjunto gravitando ao redor do salvamento de uma mãe e de sua criança ainda em seu ventre. Uma belíssima e memorável escolha narrativa que ainda homenageia as quase 170 pessoas mortas em Oklahoma City.
Além disso, o atentado vem para ceifar duas importantíssimas personagens da série. Uma delas, Molly Cobb, tem o final que merecia, pois ela retorna triunfalmente para ajudar Ed em seu mais difícil voo e falece não na explosão, mas, mesmo cega, salvando diversas pessoas, com a tomada dela indo em direção à fumaça sendo uma das mais belas da série toda até agora, equivalente ao último voo que ela faz antes de ficar completamente sem visão. Não poderia haver uma despedida maior para uma das melhores personagens de For All Mankind que morre no lugar onde ela se sentia mais à vontade. Por outro lado, apesar de eu entender a simbologia da morte de Karen olhando para o céu, tenho minhas dúvidas se a decisão de eliminar a personagem foi a mais acertada, especialmente depois de ela ter um embate com Dev e mostrar toda sua garra e disposição para ser a nova CEO da Helios. Isso deixa a empresa sem leme e, potencialmente, distante do projeto Marte, mas, claro, só saberemos detalhes quando a série voltar para sua quarta temporada e o pulo temporal for preenchido.
Os dois personagens problemáticos da temporada, Danny e Margo, tiveram finais muito interessantes. A traição da diretora da NASA não passou em branco e, mesmo que talvez ela seja considerada como vítima do atentado, o que pode salvar sua reputação pós-morte, foi ótimo (e previsível) vê-la acordar em Moscou em 2003, marcando o esperado e tradicional salto de tempo da série que sempre gera aquela sensação dupla, uma de curiosidade pelo que acontecerá e outra de uma certa frustração por não vermos o desenvolvimento dos eventos da temporada. Mas, a essa altura do campeonato, que assiste a série já está acostumado com isso, não é mesmo? Danny, por outro lado, assumiu sua responsabilidade pela tragédia e recebeu seu devido castigo, ocupando o lugar solitário do norte-coreano no começo do episódio em um belo espelhamento que, espero, sirva para que ele aprenda uma coisa ou outra sobre autocontrole.
Falando em eventos cujos desenvolvimentos não veremos em razão da elipse temporal, temos o destino da presidente Ellen Wilson. Seu momento de enfrentamento de seu vice-presidente e de seu partido foi excelente, com diálogos explosivos que mostram que ela não tinha intenção alguma de dar para trás na decisão que tomou. Nada de renúncia para ela, o que nos deixa pendurados sobre o que exatamente ocorreu a partir da ameaça de impeachment. Se a série continuar a espelhar os eventos de nosso universo, é possível concluir que, assim como Bill Clinton saiu incólume dos procedimentos, ela também sairá, o que significa, claro, um final positivo para ela e alvissareiro para o futuro da igualdade de tratamento para todos. A nova visita dela à Pam, ao final, reforça essa ideia pela forma como o simplíssimo diálogo é falado em meio a sorrisos cúmplices. Se Ellen, ao revés, acabar sendo retirada do governo, tudo indica que pelo menos em sua vida pessoal ela finalmente encontrará a verdadeira felicidade. Fica a torcida pelo melhor, já que a cooperação franca entre países inimigos em Marte parece pedir uma mudança completa na história também na Terra. Veremos!
Agora é, realmente, o caso de ficar em compasso de espera para saber o que afinal acontece com a missão conjunta no Planeta Vermelho, se Danny será punido na sua volta, se Margo passou a ajudar os soviéticos e, claro, se o mundo mudou para melhor com a aceitação da saída do armário da Presidente Wilson. Poucas séries sabem fazer episódios de encerramento de temporada tão consistentemente bons quanto For All Mankind e menos ainda conseguem criar excitação genuína pelo que está por vir. Que venha o quarto ano da série e que ele não seja o último!
For All Mankind – 3X10: Stranger in a Strange Land (EUA, 12 de agosto de 2022)
Criação: Ronald D. Moore, Matt Wolpert, Ben Nedivi
Direção: Craig Zisk
Roteiro: Matt Wolpert, Ben Nedivi
Elenco: Joel Kinnaman, Wrenn Schmidt, Krys Marshall, Shantel VanSanten, Sonya Walger, Casey W. Johnson, Jodi Balfour, Coral Peña, Cynthy Wu, David Chandler, Edi Gathegi, Piotr Adamczyk, Tony Curran, Robert Bailey Jr., Heidi Sulzman, Taylor Dearden, Lev Gorn, Vera Cherny, Pawel Szajda, Lenny Jacobson, Alexander Sokovikov, Meghan Leathers, C.S. Lee
Duração: 82 min.