Dentre todos os elementos que compõem o lado obscuro do surgimento da internet em nossas vidas, a pirataria digital é um dos mais curiosos. Mesmo que a prática de compartilhamento de produtos culturais seja considerada crime, tornou-se lugar comum ver o download de arquivos sendo parte da gestão de material para trabalho e entretenimento em nosso cotidiano, numa normalização da questão que abre espaço para diversos debates longos e complexos. É o professor que digitaliza páginas de um livro para deixar na copiadora da faculdade, tendo em vista o alcance de todos os estudantes ao conteúdo de discussão para uma aula. É o filme baixado nos tantos sites dispostos na internet, bem como o último episódio de uma série, disponibilizada para os fãs que não podem, por motivos diversos, acessar as plataformas de streaming exclusivas destas produções. O CD, um artigo que funcionava como veículo para os novos trabalhos de um artista alcançou seu ápice e declínio numa rapidez absurda, demonstração da nossa cultura acelerada, onde as coisas se transformam muito rapidamente.
Com isto, temos o estabelecimento de um questionamento importante: existe possibilidade de driblarmos a pirataria digital? Esta é uma ação que mina a indústria ou apenas trabalha no processo militante de democratização dos bens culturais? O site The Pirate Bay, uma das principais plataformas de distribuição de produções diversas, é tema deste documentário de 82 minutos, lançado em 2012, originado por meio de um financiamento coletivo. Sob a direção de Simon Klose, também responsável pela direção de fotografia, a narrativa expõe a trajetória de seus criadores, figuras curiosas que se portam como rebeldes que driblam os mecanismos que engendram o sistema para levar ao seu público aquilo considerado cifrado, possível de ser adquirido apenas por meio do pagamento formal, uma postura que mexeu com os caminhos pavimentados pela indústria cultural ao longo do século XX, demonstrando o quão a linha tênue entre o que é legal e ilegal confundem a todos nós, compartilhadores e usuários.
Ao longo do documentário, conhecemos a história de Gottfrid Svartholm e Fredrik Neij, apresentados com acompanhamento do porta-voz do site, Peter Sunde, figuras que causam temor aos estúdios e produtores culturais, perseguidos pela lógica mercadológica hollywoodiana, ameaçados com a presença destes compartilhadores de conteúdo que segundo informações, possuem apoio para hospedagem e sítios dinâmicos e até tinham conexões com o famigerado Wiki Leaks, portal de ativistas conhecido por disseminar segredos de estados e informações bombásticas, escondidas da população e consideradas absurdamente confidenciais. O foco, por sua vez, não é exatamente na biografia dos criadores, tampouco em seus ideais de disseminação democrática de material, mas o processo judicial enfrentado, com acusações extensas sobre violação de direitos autorais. Os julgados, por sinal, se colocam constantemente como injustiçados, num cinismo que deixa a produção ainda mais curiosa.
Mas, afinal, os idealizadores do The Pirate Bay são ou não agentes destrutivos da indústria, figuras que utilizam os avanços do ciberespaço para driblar os mecanismos do sistema? Olhado por uma lógica retilínea, focada na lei, sim, são criminosos que destroem esquemas alheios e carnavalizam a dinâmica industrial, mas, por outro, há um perspicaz reflexão sobre democratização e acesso aos bens culturais que tornam o debate mais bifurcado do que inicialmente parece ser. Onde há lucro com a ilegalidade, há organizações criminosas realizando trabalhos escusos. Por isso, esta discussão rende muito e após 10 anos de seu lançamento, ainda é e continuará sendo um profícuo território para empreendermos análise sobre nossos comportamentos diante desta prática que já se tornou tão corriqueira e banal: o compartilhamento e uso de material por meios virtuais não legalizados. Ademais, para nos contar esta história, os realizadores apostam em cores frias e música envolvente, numa narrativa que vai além do mero relato de um caso de potencial jornalístico, numa estética também atraente.
The Pirate Bay Longe do Teclado (TPB AFK: The Pirate Bay Away from Keyboard – Suécia – Alemanha – Dinamarca – Noruega – Holanda – Reino Unido, 2013)
Direção: Simon Klose
Elenco: Gottfrid Svartholm, Peter Sunde, Fredrik Neij
Duração: 85 min.