- Há SPOILERS do episódio e da série. Leia, aqui, as críticas dos outros episódios.
Em Generation Loss nós tivemos a primeira grande leva de revelações, expondo muita coisa do jogo em evidência nessa 4ª Temporada da série. A caça que até então tinha se estabelecido ganhou maior sentido, e então os grandes temas de reflexão vieram à tona, revelando um mundo contaminado pelas moscas de Hale e uma “geração perdida” que obedece às ordens vindas de uma grande torre. No escopo do show, a questão estava dada: os anfitriões venceram. Charlotte, sendo a versão maléfica de Dolores (o “lado Wyatt” dela, por assim dizer), assume o papel de deusa e passa a criar o mundo à sua imagem. Em 23 anos surgiu uma sociedade que deveria satisfazê-la. Mas isso não acontece.
As definições gerais ainda estão suspensas, mas Zhuangzi tira um pouco da névoa em relação às motivações. O roteiro do episódio não está apenas para mostrar o despertar de Christina, que, agora sabemos, foi criada à imagem e semelhança da Dolores original. Justamente por esta qualidade, Charlotte a colocou como criadora das narrativas desse mundo. Christina é alguém com muito poder, mas que não sabe os horrores que causa através dessa força. Para ela, tudo aquilo faz parte “da vida“. As coisas são porque são e não há explicação maior para aquilo. Sua própria vida é feliz… bem, até o momento em que algo começa a aparecer em seu caminho, e então sua programação encontra atalhos para se libertar. A discussão já é antiga em Westworld, mas nunca envelhece e continua sendo poderosíssima: o questionamento da própria natureza vem à tona.
A arrogância de Hale foi imaginar que sua visão de “mundo perfeito” bastaria para criar um suposto “mundo perfeito”. E a enorme beleza tragicômica de ser humano está exatamente na impossibilidade disso acontecer. Os humanos são controlados, é verdade. Mas até certo ponto. O despertar vem para a humanidade ou para algumas bolhas de seres humanos, porque os sentimentos, as emoções, a aleatoriedade das ações humanas, o instinto, a impulsividade, a força de vontade, tudo isso interage de forma que programas não conseguem prever. O questionamento da humanidade é interessante exatamente por este motivo, e eis aí um assunto abordado há muito tempo pela ficção científica, inclusive por autores e obras muito famosos, como Philip K. Dick, ao dissecar a essência da espécie e da existência do Ser em Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?; ou mesmo Isaac Asimov, ao pensar em uma ciência estatística perfeita a ponto de conseguir prever o comportamento das grandes massas da Galáxia (a Psico-História), em Fundação. Essa dualidade, essa duplicidade de comportamentos possíveis acabou por afetar o mundo que Hale pensou para ela. E lhe trouxe um problema apocalíptico.
Baseado na obra do sábio chinês Zhuang Zhou, este episódio reflete sobre a natureza das coisas. O ritmo é reflexivo, lento, e a direção cria um verdadeiro desfile de cenas enigmáticas e chamativas (com todo o elenco portando um figurino elegantíssimo, especialmente Hale), começando com a revelação de uma deusa entediada e de seu problema insolúvel; e terminando com a descoberta de uma outra deusa, ainda mais importante, onde reside o código menos contaminado de toda essa realidade. Da perspectiva de Hale e Christina, “o inferno não são os outros“. O inferno são elas mesmas. Através de metáforas lançadas de maneira aparentemente aleatória (a do pássaro na mina de carvão, por exemplo), o episódio ergue de maneira inteligente toda a base onde se assenta essa nova realidade, e basicamente temos a visão de todo esse ano do show, a criação de um molde humano, de uma massa de dominados e o contra-ataque do tempo, que é o despertar dessas pessoas. A tão humana e, para alguns, tão inexplicável “mudança de opinião“; “mudança de comportamento“; “mudança de vida“.
O propósito da existência é uma linha de pensamento filosófica (e também religiosa, dependendo da abordagem que se faz) sempre em evidência na série, e é através dela que se teoriza a respeito da busca pela felicidade, da busca pelo amor, da existência para aproveitar tudo aquilo que a vida tem para dar. O “mistério da vida” e o que cada um encontra nele é o real centro do labirinto. E esse enorme ponto de interrogação é, em última instância, aquilo que nenhum código pode controlar para sempre. Há uma charge da genial Laerte, publicada em 2013, que concentra todo o significado que este episódio nos trouxe como processo reflexivo e de ação a longo prazo: “A grande ficha. Em algum momento… ela vai cair“.
Westworld – 4X05: Zhuangzi (EUA, 24 de julho de 2022)
Direção: Craig William Macneill
Roteiro: Wes Humphrey, Lisa Joy
Elenco: Evan Rachel Wood, Thandiwe Newton, Jeffrey Wright, Tessa Thompson, Aaron Paul, James Marsden, Luke Hemsworth, Angela Sarafyan, Ed Harris, Ariana DeBose, Daniel Wu, Morningstar Angeline, Michael Malarkey, Emily Somers, Nicole Pacent, Evan Williams, Ted Monte, Hollie Bahar, Nhumi Threadgill, Katie Kuang
Duração: 59 min.