“Era uma tarde quente e úmida no meio de setembro“. Assim começa este conto de estreia do detetive Akechi Kogoro, concebido pelo pai da ficção de detetive no Japão, o grande escritor Edogawa Ranpo. Publicado na edição especial de Ano Novo da revista Shin Seinen (New Youth / Nova Juventude — Volume 6, Edição 2), no ano de 1925, Assassinato na Colina D traz no título e em seu interior referências a um dos escritores mais admirados por Ranpo, o americano Edgar Allan Poe. Na crítica do primeiro conto desse mestre japonês, intitulado A Moeda de Cobre de Dois Sen (1923), eu fiz as devidas relações entre Ranpo e Poe, falando também sobre a origem desse pseudônimo de Hirai Taro e de como a narrativa detetivesca do escritor do século XX banhou-se grandemente, em sua construção, nas águas do sombrio filho de Boston.
Na presente trama, Ranpo traz uma parte do elemento cômico de A Moeda de Cobre de Dois Sen, fixando-o, aqui, na disputa intelectual e investigadora de dois amigos, o narrador anônimo, que o tempo inteiro conversa com o leitor; e seu conhecido Akechi Kogoro. Na cena de abertura, este narrador está em uma cafeteria chamada Hakubaken, na rua principal da colina D. Há, em frente à cafeteria, uma livraria de segunda mão. A esposa do dono do estabelecimento é uma mulher atraente, antiga conhecida de Kogoro, e que o narrador também acabou conhecendo-a, de maneira breve. Lemos, então, as suas observações sobre o movimento dos clientes no local e a exposição das primeiras coisas estranhas ocorridas na livraria, todas observadas de longe — em dado momento cheguei a questionar a fidelidade do discurso do narrador, mas não fui muito adiante com essa dúvida. O leitor entende que esta movimentação é o momento do crime, mas como o ponto de vista é ocultado pela persiana do local e o narrador está do outro lado da rua — portanto, não tem acesso a muitos detalhes –, não temos muita certeza do que de fato está acontecendo lá.
Gosto muito da dinâmica de investigação escolhida pelo autor nessa ventura, que é consideravelmente similar à que ele utilizou em A Moeda de Cobre de Dois Sen. A tal mulher atraente da livraria é encontrada enforcada e todas as disposições da loja, mais o ponto de observação de nosso narrador cercam por completo o espaço, transformando essa aventura em um interessante “crime de quarto fechado” (o primeiro de origem japonesa que eu li). Duas linhas investigativas se apresentam, sendo a da polícia tratada rapidamente pelo texto, e a dos detetives amadores estendidas até 10 dias depois do crime, quando descobrimos a verdade, após uma patética exposição do narrador para o que poderia ser a resolução do caso e, imediatamente depois, a inesperada resposta fornecida por Kogoro, fechando todo o processo ao reunir provas de uma maneira inesperada.
Com várias citações a Doyle, ao conto Assassinatos na Rua Morgue; a outros escritores e obras de mistério, Assassinato na Colina D trabalha com o improvável, tanto em relação à entrada e saída do criminoso no local do crime, quanto do ponto de vista e da motivação para o ato, que acaba se mostrando bem diferente do que a gente imaginava: um caso de amantes sadomasoquistas — outra coisa que me pegou de surpresa aqui. A trama se completa com uma amarga notícia de jornal, que leitores menos atentos podem interpretar como puramente “moralista”, mas que na verdade condiz com a linha trágica escolhida pelo autor, e com a personalidade do indivíduo em questão, afinal de contas, estamos diante de um um crime sem intenção. Como alguém consegue viver bem com essa culpa?
Assassinato na Colina D / Assassinato na Rua D (D坂の殺人事件 / D-zaka no satsujin jiken / The Case of the Murder on D. Hill) — Japão, janeiro de 1925
Autor: Edogawa Ranpo
Publicação original: Shin Seinen (New Youth / Nova Juventude), edição especial de janeiro de 1925 (Volume 6, Edição 2)
50 páginas