- Há spoilers.
A bizarra história do detetive Tony Chu, que tem a habilidade de fazer leituras psíquicas de tudo o que come (menos beterraba) em um universo em que carne de frango é proibida nos EUA em razão de uma pandemia, continua com International Flavor, com o segundo arco tendo apenas uma função: ampliar o universo criado por John Layman ao tornar tudo ainda mais estranho e misterioso. Taster’s Choice, de certa forma, era naturalmente preso pelas amarras necessárias para lidar com os primeiros blocos da construção desse mundo muito particular e do ainda mais particular policial que, não demora, passa a ser um agente da toda-poderosa FDA ou Food and Drug Administration (o equivalente americano da nossa ANVISA).
Quando o segundo arco começa, Tony é pareado com o recém-contratado agente John Colby cuja metade do rosto é biônica em razão de uma cutelada que levara na linha de fogo. John culpa Tony pelo ocorrido quando a dupla trabalhava junta e, agora, o odeia, ainda que isso só se sustente pelas primeiras páginas da primeira edição, com os dois logo reestabelecendo a conexão perdido e partindo para investigar um assalto a banco em que um dos ladrões deixou fezes de presente, fezes essas que Tony deveria “provar” para desvendar o crime. Mas John, compadecendo-se pelo amigo, resolve lidar com o caso da maneira antiga, o que não só revela seu lado corrupto, mas também mostra sua eficiência e, no final das contas, abre espaço para a verdadeira história do arco que lida com a descoberta, por Tony, de uma fruta com gosto de frango que ele nunca havia provado antes.
Com cada edição contendo um prólogo diferente que lida com desde a estranha planta meio abacaxi, meio polvo que poderia muito bem ter saído de um sonho (ou pesadelo) de H.P. Lovecraft, até mais detalhes sobre John, o coração da história se passa na pequena ilha de Yamapalu, na Micronésia, para onde Tony vai de férias, mas com o objetivo explícito de investigar a origem do vegetal. Coincidentemente, seu irmão chef também está indo para lá, para abrir um restaurante cinco estrelas, em uma daquelas conveniências de roteiro que me desagradam, ainda que Layman tente criar uma lógica para isso ao estabelecer uma conspiração por parte do governador local que vem atraindo grandes nomes relacionados com culinária – incluindo Amelia Mintz, a “saboscritora” crítica de comida que Tony conhecera e se apaixonara no arco inaugural – para justamente colocar a pequena ilha no mapa em razão da misteriosa fruta em uma trama que lembra de longe a ilha para aonde Ozymandias leva cientistas e artistas em Watchmen.
Com base nessa conspiração, John Colby quase que completamente desaparece da história e, ao mesmo tempo, tudo converge para a ilha, inclusive o alegado vampiro que teria atacado e destruído a base na Antártida visitada por Tony, o que me pareceu uma escolha rápida e conveniente demais do roteirista, mesmo que ele saiba manter o interesse constante pela história que conta até mesmo com o sequestro de um galo de briga valioso e uma agente secreta do Departamento de Agricultura dos EUA que usa um rato domesticado com câmera e microfone implantados para ajudar em suas investigações. Ou seja, em certo grau, o que Layman faz é sustentar sua história com muitas bizarrices, ainda que elas não sejam os únicos ingredientes saborosos da aventura que, aqui, ganha uma abordagem mais abertamente 007 que mantém o lado sci-fi do final do primeiro arco em xeque e que, no geral, acaba sendo mais um tijolo na construção do universo que o autor faz a conta-gotas.
Mais uma vez, a arte de Rob Guillory é destaque com seus personagens “ultra deformados” ajudando na construção de uma atmosfera estranha e por vezes repugnante, com boas doses de pancadaria e violência explícita variada, sejam lutas marciais repletas de sangue, sejam momentos vampirescos, sejam tiroteios que transformam a paradisíaca ilhota em um inferno na Terra. Seu uso de cores é também algo notável, com cores pasteis como a regra sendo “interrompidas” por outras mais visualmente agressivas quando necessário.
Como em Taster’s Choice, International Flavor acrescenta elementos à mitologia de Chew, mas sem se preocupar com explicações e maiores contextualizações nesse ainda começo. Fica claro que Layman tem um plano em tese bem traçado para Tony Chu e para esse mundo em que superpoderes sempre têm conexão com comida e a manutenção do mistério gera aquela natural curiosidade para se saber mais sobre cada detalhe que ele aborda. Desconfio, porém, que, antes de vermos resoluções, a tendência é que os segredos se avolumarão e eu definitivamente não tenho (ainda) o que reclamar.
Chew – Vol. 2: International Flavor (EUA, 2009/10)
Contendo: Chew #6 a 10
Roteiro: John Layman
Arte: Rob Guillory
Cores: Rob Guillory, Lisa Gonzales
Capas: Rob Guillory
Editora: Image Comics
Data original de publicação: novembro de 2009 a abril de 2010
Páginas: 132