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Crítica | Em Busca do Vale Encantado

A história dos dinossauros como uma aventura judaica.

por Davi Lima
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– Você já viu o Grande Vale?
– Não.
– Bem, então como você sabe que está realmente lá?
– Uma coisas você vê com seus olhos; outra você vê com o coração.

Durante a segunda metade do século XIX houve um grande crescimento de estudos sobre o tempo da Terra, envolvendo Arqueologia e Geologia. Até a década de 60, descobrindo fósseis de dinossauros e entendendo a formação rochosa do planeta, buscava-se muito mais descrever os fenômenos que contavam a história do nosso planeta do que buscar interpretar o que houve nos tempos dos dinossauros, por exemplo. Nas décadas seguintes, especialmente nos anos 80, buscou-se desenvolver narrativas para a formação da vida no planeta. E nada melhor que os produtores executivos Steven Spielberg (Goonies, De Volta para o Futuro) e George Lucas (Caravana da Coragem – Uma Aventura Ewok, Labirinto – Magia do Tempo), as estrelas do cinema hollywoodiano nesse período, para encabeçar um projeto de animação com o diretor e também produtor Don Bluth. Foi daí que saiu Em Busca do Vale Encantado, a “narrativa judaica” dos dinossauros sobrevivendo às mudanças geológicas do planeta.

Pelas características de uma história que se passa há muito tempo atrás, a escolha de ter um narrador é bem comum para contextualizar o tema dos dinossauros e o mundo que eles vivem. Mas isso também cria aspectos de um épico, especialmente pelo filme ser recheado pela trilha sonora do famoso compositor James Horner (Titanic, Avatar). Dessa forma, junto com o conceito artístico em 2D da Terra geologicamente especulativa, a narração e a orquestra trazem a produção de Spielberg e Lucas para as dimensões do cinema clássico americano, e por que não, bíblico da década de 50 – bem lembrado pelo filme de Cecil B. DeMille em Os Dez Mandamentos. Para fins didáticos e acessíveis, construir a narrativa de Em Busca do Vale Encantado semelhante à história dos judeus (antes chamados de Hebreus) atrás da Terra Prometida é uma forma de interpretar a migração de dinossauros diante das descobertas arqueológicas.

Assim, quando o nosso simpático protagonista Littlefoot nasce, sem pai, apenas com a mãe e os avós, um pescoçudo da família dos apatossauros, ele é como uma criança para a salvação das gerações de sua espécie. A temática sobre gerações e a preservação da linhagem taxonômica da biologia dos personagens que voam, mordem, que tem três chifres e bocas grandes, além dos carnívoros de dentes afiados e os herbívoros pacíficos; tudo isso é importante no conflito da história. No primeiro ato, de maneira bem explicada e bem desenvolvida por um narrador, e pela explicação da mãe de Littlefoot, o protagonista torna-se a herança única daquela família de pescoçudos. Ele não poderia brincar com outras espécies e ouve sobre o Grande Vale – local de segurança mediante os terremotos, erupções e perigos da Terra em transformação.

Mesmo que o roteiro seja simples, a narrativa clássica e até infantil, Em Busca do Vale Encantado dinamiza seus períodos educativos dentro da metragem, ao ponto de o épico surgir nos momentos dramáticos de morte, união e encontro com a grande promessa. Todas as direções que os personagens tomam pertencem à personalidade de cada um – como a tricerátops Saura ser orgulhosa – e para muitos espectadores podem parecer injustificáveis quando dinossauros em 2D, humanizados, se movem para esquerda ou direita num contexto épico histórico por causa de fugas, empurrões e brigas de criança. Porém, é nessa infantilidade que consta um retrato parecido com o povo judeu no deserto, ou de uma geração sem pais no pós guerra, e principalmente a seleção natural que a animação reinterpreta.

Quando acontecem os terremotos e as mudanças geológicas, diferente do que o senso comum darwinista diria sobre quem sobrevive é mais forte, aqui no filme sobrevive quem se une. O grande diferencial de Littlefoot é ser o único ovo nascido entre os pescoçudos, e por isso, perder a mãe o tornava um órfão ainda mais isolado. Ele briga com Saura não porque uma criança falou mal de sua mãe, mas porque sua jornada de aprendizado é compreender a importância de preservar a memória das gerações antigas para que eles, os dinossauros de espécies diferentes, formando um bando novo, chegassem ao Grande Vale.  Por essa razão, histórias secundárias de Petrúcio, o voador pteranodonte que tinha medo de voar, e Patassaura, a bico-chato saurolofa que encontra um ovo de estegossauro, ao final se tornam aprendizados familiares para gerações diferentes no encontro do Grande Vale.

Tal qual a história dos judeus no Êxodo, eles almejavam segurança para as gerações futuras e a Terra Prometida também seria o teste para unir as espécies. Do mesmo jeito, esta é uma grande lição para Littlefoot, Saura, Petrúcio e Patassaura. Eles são de espécies diferentes, mas encontram a salvação por se unirem, mesmo que seus pais dissessem que não podiam brincar juntos. Numa abordagem cristã, não judaica, é como se a grande resolução de enfrentar “o diabo do Tiranossauro”, de dentes afiados, é o versículo bíblico parafraseado de Gálatas 3:28; não há apatossauro nem tricerátops, pteranodonte nem saurolofa, nem estegossauro ou estegossaura; pois todos são dinossauros em Grande Vale.

Ao final, a força dramática de Em Busca do Vale Encantado se faz pelo seu visual 2D de caráter épico junto com histórias humanas e infantis. A conexão entre esses extremos aparentes é a interpretação da descrição arqueológica e geológica que a narrativa cria. A providência sobrenatural que ocorre nessa história de dinossauros buscando aprender com suas gerações é o ponto fantasioso que vai além dos estudos científicos que possam ter motivado os produtores executivos, diretor e roteiristas; no entanto, representa bem a cultura judaico-cristã presente nessas narrativas identificáveis e cativantes sobre a esperança de sobrevivência em outra terra após conhecer a morte.

Em Busca do Vale Encantado (The Land Before Time) – EUA, Irlanda | 1988
Direção: Don Bluth
Roteiro: Stu Krieger, baseado na história de Judy Freudberg e Tony Geiss
Elenco original: Pat Ringle, Helen Shaver, Gabriel Damon, Bill Erwin, Candace Hutson, Burke Byrnes, Judith Barsi, Will Ryan
Elenco de dublagem brasileira: Márcio Seixas, Selma Lopes, Marisa Leal, Adriana Torres, Mário Monjardim
Duração: 69 minutos

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