Considerado por muitos como o pai da ficção científica brasileira, Jeronymo Monteiro também tem no currículo uma série de produções dentro de nossa literatura policial, tendo criado, em 1937, o personagem Dick Peter. O surgimento desse detetive amador americano é bastante curioso, e não teve a ver com a literatura, em seu início. Quando conseguiu emprego como comentarista do Correio Paulistano, em meados dos anos 30, Jeronymo Monteiro também passou a trabalhar como redator de publicidade e daí passou para a função de radialista. Nesse momento de sua vida foi que começou uma de suas mais icônicas criações, que acabaria passando para a literatura.
Como funcionário da Empresa de Propaganda Standard, ele criou o personagem Dick Peter, para uma campanha publicitária (primeiro na Rádio Difusora e depois na recém-inaugurada Rádio Tupi), para divulgar o Café Jardim. Foi com as radionovelas desse personagem que o nome de Jeronymo Monteiro se tornou bastante conhecido, dada a fama que Dick Peter conseguiu na época. Quando passou a escrever sobre o tema policial, o autor adotou o pseudônimo de Ronnie Wells, e muitos volumes foram publicados por ele desta forma. Em 1940, lançou o livro de contos Aventuras de Dick Peter, e uma das obras coletadas neste volume é o objeto de nossa análise aqui, O Fantasma da Quinta Avenida.
Eu nunca vou deixar de achar estranho autores escreverem ambientações em outros países sem trazer um contexto maior para que o leitor sinta, realmente, essa ambientação. Isso é menos perceptível em romances, mas em contos, dado o menor espaço para explorar algo, o problema salta aos olhos. Nesta produção brasileira dos anos 40, ambientada em Nova York, é quase impossível para o público comprar o fato de que estamos realmente falando de uma realidade estadunidense, e podemos ver como não combina com este país a maneira de falar dos personagens, o procedimento policial e a organização social que Monteiro cria para eles. No entanto, é fácil deixar essas observações de construção dramática de lado e aproveitar a história pelo que ela é, um mistério de difícil resolução onde uma jovem é colocada em perigo por um “fantasma” que aparece em seu quarto e tenta matá-la.
O processo investigativo por parte de Dick Peter é interessante. Há um bom método utilizado por ele, que não só observa com atenção o local, procura seguir os passos do fantasma e vai atrás de uma referência jornalística (a matéria de uma revista sobre o desenvolvimento de um “tecido à prova de balas”), como também se coloca em perigo para tentar pegar o bandido. Há uma certa influência dos romances policiais hard-boiled aqui, mas o autor deixa a violência mais ou menos disfarçada, embora ela exista e seja intensa e cruel, como é típica desses livros americanos. A relação de Dick Peter com a polícia parece existir já há algum tempo, mas o texto não coloca isso em evidência, de modo que a investigação parece inteiramente guiada por ele, ao menos em suas partes mais importantes.
O autor ainda consegue nos enganar um pouco em relação ao seu “fantasma criminoso”. Eu suspeitei de um determinado personagem, depois tive certeza de que era ele, mas abandonei a ideia no meio do desenvolvimento da história, porque fui enganado pelas pistas falsas deixadas na narrativa, e só no final constatei que a minha primeira opção era mesmo a correta. O Fantasma da Quinta Avenida é um conto policial ágil, com um protagonista simpático e que mesmo que não nos convença de que é uma trama novaiorquina, tem o suficiente para garantir um bom divertimento e criar mais um bom degrau da literatura policial no Brasil em suas primeiras décadas de existência.
O Fantasma da Quinta Avenida – Brasil, 1940
Publicação original: Aventuras de Dick Peter
Autor: Jeronymo Monteiro
28 páginas