Home LiteraturaConto Crítica | A Casa Assombrada, de Plínio, o Jovem

Crítica | A Casa Assombrada, de Plínio, o Jovem

Um relato romano sobre o fantasma de uma casa.

por Luiz Santiago
417 views

Entre os anos 97 e 109 de nossa era, Caio Plínio Cecílio Segundo (ou Plínio, o Jovem, como seria historicamente conhecido – por ser sobrinho e filho adotivo do famoso naturalista grego Plínio, o Velho) escreveu uma série de cartas e observações sobre a vida (247 textos, ao todo) que, segundo a apresentação da coletânea Contos Clássicos de Fantasmas, falavam sobre “assuntos variados da vida cotidiana e da política da época”. O relato da casa assombrada é uma das histórias encontradas nessas cartas, e não se trata exatamente de um conto, no sentido mais rigoroso da classificação. Todavia, o estilo narrativo encerrando uma ação com começo, meio e fim, dando valor ao desenvolvimento e à resolução de uma problemática, pode facilmente ser pensada como um conto, como conhecemos o gênero em nossos dias.

São apenas duas páginas de narrativa, então não temos nada muito complexo ou com grande número de detalhes. Plínio nos fala sobre o tormento dos moradores de uma certa casa da cidade de Atenas, que sofriam com um fantasma arrastando suas correntes pelos corredores durante toda a noite. Esta é uma premissa que, lida em pleno século XXI, se assemelha a centenas de outras que a gente já viu sobre fantasmas, nas mais diversas mídias, mas certamente é algo muito interessante, em termos de representação, vindo de uma obra escrita entre o final do século I e o início do século II. Isso porque o texto não apenas nos conta uma historinha de assombração. Ele nos dá uma resposta para esse tipo de problema.  

O fantasma aqui representado (um ancião com barba grande, com corpo etéreo e arrastando correntes nas mãos e nos pés), mais o tipo de relação que ele tem com os vivos em dois momentos diferentes da história formam outra coisa que chama a atenção. Notem que para os habitantes originais da casa, não havia nenhuma possibilidade de conciliação, e o texto, apesar de curto, faz com que o leitor sinta muito intensamente o desespero dessas pessoas, que não conseguiam mais dormir no local. Na parte final, porém, quando o filósofo Athenodorus compra o imóvel, passamos para um relacionamento diferente. O fantasma ainda é sentido como ameaçador, mas pela primeira vez alguém interage com ele. E essa interação leva à revelação de algo importante, algo que resolveria de uma vez por todas o problema da residência.

Muitas histórias de fantasmas estão diretamente ligadas a corpos de mortos que não foram propriamente enterrados ou não receberam os rituais ou homenagens devidas. Em culturas indígenas ou em relatos de diversas outras culturas ao redor do mundo, este seria um tema muito presente, também representado ao lado das consequências negativas que temos quando perturbamos o lugar de descanso dos mortos. Em seu relato, Plínio mostra a presença dessa ameaça sobrenatural em um ambiente urbano (o que é bem importante, porque tira a ideia de uma “história de pessoas bobinhas e supersticiosas do campo”) e a contrasta com dois diferentes tratamentos. No fim das contas, é tudo questão de um ponto de vista para a presença do fantasma na casa. Nem sempre eles fazem o que fazem porque são malvados e querem atormentar os vivos. Alguns, como o dessa narrativa, só querem mesmo encontrar o caminho para poder descansar em paz.       

A Casa Assombrada (Litterae Curatius Scriptae – VII.27) – Império Romano, 97 a 109 d.C.
Autor: Plínio, o Jovem (Caio Plínio Cecílio Segundo / Gaius Plinius Caecilius Secundus / Gaius Caecilius / Gaius Caecilius Cilo)
No Brasil: Contos Clássicos de Fantasmas, 2020
Tradução: Marta Chiarelli
Organização: Alexander M. da Silva, Bruno Costa
Editoras: Editora Ex Machina, Editora Sebo Clepsidra
3 páginas

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais