No momento em que a jovem tenista amadora Florence Farley é vista por um olheiro que a percebe como a possível nova estrela do tênis estadunidense, a menina prodígio, impulsionada por uma mãe ambiciosa, vê sua vida mudar da água para o vinho com a entrada no esporte e as sucessivas vitórias nacionais. Contudo, mudanças bruscas geram impasses. Farley saberá conciliar uma carreira com viagens mundiais enquanto sua vida pessoal – noivo e família – fica cada vez mais para trás? Ida Lupino, entre muitas questões mobilizadas na sua película, lida diretamente com o problema das escolhas difíceis que precisam ser tomadas. Em mais uma colaboração com Sally Forrest no papel principal, a cineasta dirige um roteiro escrito por Martha Wilkerson colocando em cena, novamente, figuras potentes, com personalidade de destaque.
A movimentação de enredo guiada pelo desenrolar dramático segura o espectador, uma vez que o filme sempre deixa ganchos para as próximas tomadas, para as próximas cenas e atos, de modo que não ficamos indiferentes diante da tela, mas esperamos por mais e queremos saber o que vai acontecer. É uma guinada sempre positiva que faz com que o longa cresça demais a cada instante, alimentando sempre a nossa fome de história. Diria mesmo que aqui temos uma excelente história sendo contada. Ou melhor, uma história contada de maneira acertada.
A cineasta, ao inventar a sua heroína desportiva, não a faz cair para depois levantá-la e isso me agrada. A todo instante estivera eu esperando que Farley perdesse alguma partida importante para que o roteiro tivesse algum motivo para desenvolver a peripécia numa ideia de superação e enfim chegasse à vitória num movimento de catarse cinematográfica. Mas não. Temos uma constante sequência de vitórias que em nada tira a densidade do enredo, contudo, embora sempre ganhe, o ponto chave que prende o público está nas cenas das partidas, que são absolutamente emocionantes, com belos enquadramentos que evidenciam as feições e um dispositivo de narração que eleva a tensão ao máximo.
Ao estabelecer cenas relativamente longas para as partidas, é possível que se aprofunde ainda mais os sentimentos de apreensão que estes momentos buscam ressaltar. Propositalmente, o filme mexe com um viés psicológico numa espécie de drama-psicológico em que os afetos dos personagens são transmitidos imediatamente para o público através do arranjo da cena, dos planos-fechados e da narração fílmica. Se ficamos nervosos à medida em que as coisas parecem sair do controle é porque a película, como efeito dramático, quer que nos sintamos assim.
Na trama principal, temos um drama familiar sendo desenvolvido com muita certeza, trabalhando os múltiplos personagens que enredam a história, partindo de um núcleo conciso e pequeno e abrindo para inúmeros acontecimentos notáveis e figuras que se cruzam e mostram resultados importantes destes encontros. Estamos diante de um roteiro que vai trabalhar questões acerca do arrivismo doméstico, isto é, quando um parente tira proveito do talento de um familiar promissor – e por isso o filme adquire um leve tom de suspense. Este embate é o que vai seguir em toda a narrativa, com uma mãe ambiciosa e fracassada que utiliza da filha inocente para ganhar prestígio, dinheiro e relevância social para si.
Com personagens fortes, extremamente interessantes e marcantes em seus papéis, o longa-metragem ganha em qualidade em cada conflito e cruzamento de protagonistas. E se posso forçar um pouquinho: me parece que Lupino deixa ali implícito, num jogo de mistério lindamente genioso, uma questão sobre o adultério que a mãe de Farley comete com o seu treinador em troca do crescimento da atleta no mundo dos esportes, o que consequentemente vem acompanhado de muito dinheiro. Isto é, a invenção de uma campeã. Gosto desse mistério tipicamente machadiano de ‘traiu/não traiu’ porque só tende a crescer a narrativa quando bem utilizado, como aqui, que aparece ao fim, como a cereja do bolo.
O seu quarto filme confirma a agudeza que tem a cineasta na sua escolha temática, que foge totalmente do lugar-comum, e na estilização de um protofeminismo cinematográfico evidente, tudo isso num ambiente hollywoodiano infestado por homens – e homens ilustres como Alfred Hitchcock que não dava espaço para ninguém. Vemos um cuidadoso estudo de personagem em que o caráter dos mesmos se mostra pouco a pouco até formar um retrato completo do interior de cada um, de modo que a cineasta, propositalmente, joga para o público o julgamento das ações e das decisões que são tomadas dentro da trama. Quero dizer, enfim, que em Laços de Sangue Ida Lupino explora, com assinatura própria, a potência intempestiva de suas personagens femininas, fazendo-as ao mesmo tempo errantes mas provocativas, imponentes e decisivas perante ao que almejam.
Laços de Sangue (Hard, Fast and Beautiful, EUA, 1951)
Direção: Ida Lupino, James Anderson (co-direção)
Roteiro: Martha Wilkerson (baseado no romance American Girl, de John R. Tunis)
Elenco: Claire Trevor, Sally Forrest, Carleton G. Young, Robert Clarke, Kenneth Patterson, Marcella Cisney, Joseph Kearns, William Hudson, George Fisher
Duração: 78 min.