O sexto e, até o dia de publicação da presente crítica, último longa-metragem da franquia Soldado Universal tinha tudo para ser tão ruim quanto ou pior que todos os exemplares que vieram depois do original de 1992. Ignorando a existência dos dois telefilmes sem Jean-Claude Van Damme ou Dolph Lundgren que falharam em iniciar uma desejada série de TV, O Retorno, de 1999, tentou reacender o interesse pela premissa, mas falhou miseravelmente, somente para Regeneração, de 2009, que ignorou a existência de O Retorno, já aproveitando para colocar o lutador belga e o engenheiro químico sueco como coadjuvantes, errando estrondosamente mais uma vez. Ou seja, eram para ter deixado os UniSols descansarem em paz…
No entanto, não só isso não aconteceu, como John Hyams, que dirigiu o fraquíssimo longa anterior, retornou para o quarto capítulo (com Van Damme), aproveitando para também co-escrever o roteiro e, como descaradamente fizera no terrível Olhos de Dragão, transformar o Muscles from Brussels apenas na isca estampada no cartaz ao lado de Lundgren, já que ambos têm participações pífias, com o protagonismo ficando no colo de Scott Adkins (que aparece apenas de lado e sem destaque no mesmo cartaz, vale dizer). A arena para outra desgraça cinematográfica estava, portanto, preparada e minhas expectativas lá no chão. E, talvez justamente por isso, Soldado Universal 4: Juízo Final consegue ser facilmente o melhor longa da franquia desde o primeiro que já não era lá essas maravilhas. Nada como ser surpreendido positivamente, não é mesmo?
Pouco importando se Juízo Final ignora ou continua os eventos de Regeneração, já que a série de filmes é uma até engraçada mixórdia completa em termos de continuidade, no mínimo dos mínimos é necessário apreciar que a produção desavergonhadamente (ou seria corajosamente?) pegou emprestados diversos elementos narrativos e visuais de nada menos do que Apocalypse Now para servir de infraestrutura de um filme da franquia e, mais ainda, sem seguir o caminho da paródia. Muito ao contrário, o longa incrivelmente se leva a sério e, mais ainda, lida com uma certa solenidade o que usa do clássico de Francis Ford Coppola, inclusive transformando o Andrew Scott, de Dolph Lundgren, em uma versão do fotógrafo encarnado por Dennis Hopper e o Luc Devereaux, de Jean-Claude Van Damme, na figura messiânica do Coronel Kurtz, de Marlon Brando. Há que se apreciar a coragem!
E essa apreciação vem justamente por que Hyams até que consegue acertar aqui e ali, mesmo que talvez sem querer, considerando seu currículo como diretor e roteirista. O uso esparso de Van Damme como uma figura que assombra John (Adkins) depois que ele acorda de um coma lembrando-se apenas que Devereaux matou brutalmente sua família é consideravelmente fantasmagórico, com o aparecimento do belga, ao final, careca e cabeça pintada em duas cores como um Monza Classic, sendo estranhamente eficiente na maneira como evoca o messianismo de Kurtz. A própria jornada de autodescoberta de John, o que inclui viajar por um rio (só que por cinco minutos apenas…), tem ecos do caminho percorrido pelo Capitão Willard de Martin Sheen, assim como a violência extrema paraleliza a da obra-prima antibélica setentista.
Pode até ser que eu esteja querendo ver coisas positivas demais em Juízo Final, mas a grande verdade é que Hyams e equipe fizeram algo que pelo menos vai por um caminho diferente, sem repetir o que veio antes. É bem verdade que de Soldado Universal o filme quase não tem nada, pois o que vemos é muito distante dos guerreiros zumbis invencíveis e imortais dos filmes anteriores (cada Unisol, aqui, morre com basicamente um tiro), mas a tentativa de se criar uma linha narrativa em que Devereaux passa a ser o “libertador” de um grupo oprimido e controlado, com John ganhando ares de Exterminador do Futuro é válida e, apesar de todos os vários pesares, acaba sendo interessante.
Falando em pesares, o maior deles é uma duração excessiva que simplesmente não é exigida pela história. Tudo demora demais e o peso da tragédia de John e sua busca por vingança acaba se perdendo ao longo da minutagem que deveria ter sido consideravelmente mais enxuta. Há também muita indecisão no roteiro entre realmente seguir o caminho de Apocalypse Now e apresentar elementos supostamente “diferentes” para robustecer a narrativa. Ou seja, entre cada boa decisão que faz a obra caminhar para a frente, há umas duas ou três que, se não a fazem andar para trás, acaba fazendo-a caminhar para os lados, sem realmente contribuir para algo mais do que mostrar muito gore e muita pancadaria. E creio não ser necessário falar muito das atuações, pois Adkins chega a ser triste mesmo considerando a unidimensionalidade de seu personagem, com todos os demais do elenco não tendo tempo de tela suficiente para mostrar mais do que a capacidade de gritar de susto e de dor ou fazer cara de raiva ou semblante pensativo e filosófico, no caso de Brando… digo, Van Damme.
O resumo da ópera é que Soldado Universal 4: Juízo Final tinha absolutamente todos os requisitos para ser um completo ultraje audiovisual, uma absoluta perda de tempo e de neurônios, mas que, no final das contas, certamente por inusitadamente amparar-se em uma obra-prima indiscutível e usar os elementos retirados de lá de maneira razoavelmente sábia, o longa consiga ser bem superior ao que tinha direito de ser. Ainda fica ali na sempre incômoda linha mediana da mediocridade, não chutando o pau da barraca para ser ruim e nem se esforçando para ser bom, mas isso já é um inegável avanço na franquia que, espero, deixem morrer de vez agora…
Soldado Universal 4: Juízo Final (Universal Soldier: Day of Reckoning – EUA, 2012)
Direção: John Hyams
Roteiro: John Hyams, Doug Magnuson, Jon Greenhalgh (baseado em história de John Hyams e Moshe Diamant e em personagens criados por Richard Rothstein, Christopher Leitch, Dean Devlin)
Elenco: Scott Adkins, Jean-Claude Van Damme, Dolph Lundgren, Andrei Arlovski, Mariah Bonner, Tony Jarreau, Craig Walker, Andrew Sikking, James Dumont, David Jensen, Audrey P. Scott, Rus Blackwell, Dane Rhodes, Susan Mansur, Kristopher Van Varenberg, Sigal Diamant, Juli Erickson, Michelle Jones, Roy Jones Jr., Dustin Taylor
Duração: 114 min.