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Crítica | Derrubando Barreiras

Aviso importante: nenhuma barreira foi verdadeiramente derrubada neste filme.

por Luiz Santiago
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O mundo dos esportes, ao menos em sua maior parte, é um dos que mais exala aquilo que hoje chamamos de masculinidade tóxica, comportamento que anda de mãos dadas com o machismo, a homofobia e diversos outros tipos de preconceitos e violências contra pessoas que são consideradas “diferentes” ou “minorias”. Se isso já é algo perceptível em ambientes de atletas adultos, é claro que para cenários com adolescentes e jovens seria ainda mais escancarado. O medo de ser descoberto, o medo de ser “pego” fazendo amizade com alguém que tem um comportamento considerado reprovável mais o comportamento de massa que sente prazer em desprezar, segregar ou agredir alguém por “ser diferente” sempre foi muito marcante nesses lugares, inúmeras vezes sem nenhum tipo de interferência por parte das autoridades escolares, mesmo quando sabem o que acontece.

Em Derrubando Barreiras, filme irlandês lançado em 2016, vemos essa problemática explorada no Wood Hill College, um internato de elite (inspirado nos reais Castleknock e Blackrock College) que tem uma tradição e uma verdadeira paixão por rugby, mas que vem lutando por uma vitória nos últimos anos. Em torno dessa paixão dos meninos do colégio existe toda uma postura de reafirmação da masculinidade, o que abre as portas para valentões e homofóbicos de plantão transformarem a vida de um aluno como Ned (Fionn O’Shea) num verdadeiro inferno. O diretor e roteirista John Butler parece inicialmente interessado em desenvolver os problemas de convivência naquele ambiente, especialmente quando Ned ganha um novo colega de quarto, Conor (Nicholas Galitzine), que veio expulso de outra escola por brigar bastante e que rapidamente se encaixa no grupo dos meninos do rugby.

Desenvolver uma narrativa de autoaceitação num ambiente escolar e ainda com o detalhe de um “cenário esportivo” não é algo muito fácil, porque a direção tem todos os motivos para simplesmente se desviar do foco dramático mais sério e investir quase que exclusivamente na jornada de treinamento e na competição que vem logo a seguir, trajetória clichê que, quando bem feita, gera um certo calor no peito do espectador e abre as portas para uma opinião mais positiva em relação ao filme. No presente caso, Butler consegue um equilíbrio impressionante em relação a isso, chegando não apenas a desenvolver a questão da descoberta e aceitação da própria sexualidade, mas também tipos diferentes de preconceitos em diversos grupos e idades, assim como discursos e práticas contraditórias, especialmente quando alguém precisa esconder aquilo que é.

Nesse sentido o filme faz uma boa representação, tendo no dinâmico professor Dan Sherry (Andrew Scott) o representante do lado mais velho de um homem gay que não necessariamente está se escondendo, mas também resiste a mostrar-se de verdade. Há uma boa cadência na montagem, para a forma como os garotos e o professor são trabalhados em seus conflitos, sem contar que a interação entre eles é realmente elogiável. A cena em que Dan e Conor se encontram no trem logo após se verem em uma balada LGBT é uma excelente representação disso, conseguindo a união de uma comédia nervosa com o compreensível e até doloroso momento de dificuldade que pessoas queer possuem de assumirem-se até mesmo umas para as outras. Ali, o filme consegue algo minimamente interessante ao colocar os personagens enfrentando seus medos identitários. Mas isso estaciona em um estágio tão raso e o caminho percorrido para isso tem um evento tão problemático e trabalhado de maneira tão desleixada que o filme acaba se destacando mais pelo seu lado esportivo do que qualquer outra coisa.

Não vamos pensar em termos emocionais, comportamentais ou psicológicos. Vamos pensar em termos puramente narrativos. No primeiro ato, o diretor cria um grande medo em Conor pelo fato de ele ser gay e ter sido expulso da outra escola justamente por espancar as pessoas que descobriam e agiam de forma preconceituosa com ele. Há uma cena em que isso é visualmente destacado, com Weasel (Ruairi O’Connor) aparecendo em uma posição de poder (ele está vestido, seguro, enquanto Conor está nu, no banho, em posição de fragilidade; filmado de lado, olhando quase cabisbaixo para o “colega”), forçando Conor a largar a amizade com Ned e a apresentação musical para focar exclusivamente nas semifinais do grande jogo. O espectador é levado a entender que este é um grande tabu no colégio, e sabemos disso também porque o treinador, interpretado por Moe Dunford, tem o mesmo comportamento desprezível e criminoso do lado dos adultos, em relação ao professor Dan. Com toda essa carga criada, como é possível que uma cena horrenda como aquela em que Ned tira oficialmente Conor do armário, na frente de toda a escola, possa ser tratada apenas como um “infeliz incidente“?

Sem contar que este é um dos piores atos que alguém pode fazer com uma pessoa LGBT. Tirar alguém do armário é uma atitude vil, nojenta e digna de todo o máximo desprezo por qualquer pessoa minimamente decente. No filme, essa atitude vem por parte de um garoto que também é LGBT, o que é uma boa centena de vezes pior; mas se ainda levássemos isso unicamente pelo lado emocional e dramático — pensando que “pessoas pressionadas e acuadas fazem coisas impensadas e às vezes horríveis“; o que é mesmo verdade — poderíamos seguir com a concepção do roteiro. Ocorre que essa visão não ganha o devido pagamento quando falamos de suas consequências. Se a gente escolher deixar a abordagem problemática de lado, sobra a contradição em relação à resposta que vem a seguir. A câmera filma todos em plano aberto e há um corte para uma cena, horas depois. Na sequência disso, Conor simplesmente aceita as desculpas de Ned (não se discute nada a respeito!) e tudo aquilo deixa de ser um problema. Na sequência, Conor aceita jogar pelo time da escola, que passa de homofóbico, violento e segregador para um “aliado” de última hora.

Existem momentos muito bons aqui em Derrubando Barreiras, inclusive no trabalho com a questão da sexualidade. Gosto muito da maneira bonita como o primeiro contato de Conor e Ned acontece, através da música, abrindo as portas para uma amizade que irá sofrer o revés social causado pela sexualidade deles. A trilha sonora do filme é um de seus pontos fortíssimos, com canções que são também excelentes criadoras de atmosfera para os sentimentos dos personagens e o estágio da relação deles naquele momento. A fotografia noturna de interiores também me chamou bastante atenção, dando um ar levemente claustrofóbico, mas estranhamente aconchegante em alguns ambientes, ou seja, muita coisa aqui é válida, deixando a sessão verdadeiramente interessante. Mas o tratamento dado a um ato que é importante (e problemático) quase enterra o drama ligado à sexualidade, com o diretor escolhendo ficar com o rugby, acenando ligeiramente para “aquilo que não deve ser nomeado“. Parece que o próprio roteiro tem medo de dar nome às coisas, à homossexualidade, ao namoro entre dois homens. Se fosse um filme ambientado em 1956, isso seria algo diegeticamente compreensível, mas não é o caso. E esta escolha do texto é a cereja do bolo dos meus problemas com a obra.

Derrubando Barreiras (Handsome Devil) — Irlanda, 2016
Direção: John Butler
Roteiro: John Butler
Elenco: Fionn O’Shea, Ardal O’Hanlon, Amy Huberman, Ruairi O’Connor, Dick O’Leary, Hugh O’Conor, Patrick McDonnell, Ian Downey, Mark Doherty, Michael McElhatton, Andrew Scott, Moe Dunford, Norma Sheahan, Nicholas Galitzine, Daniel Codd, Jay Duffy, Jamie Hallahan, Clinton Liberty
Direção: 95 min.

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