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Crítica | Ubirajara, de José de Alencar

Ficção romântica num território ainda não devastado pelos colonizadores europeus.

por Leonardo Campos
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Situado nas matas do Tocantins, Ubirajara é um dos romances da trilogia indianista de José de Alencar, publicado em 1874, mas com uma proposta narrativa cronologicamente anterior aos acontecimentos de Iracema e O Guarani. Imerso na concepção de um território primitivo, ainda não saqueado e colonizado pelos portugueses, o romance acompanha a trajetória do guerreiro que nomeia o livro, um indígena de valores exaltados, isto é, valente, bravo e leal, figura ficcional que se encontra apaixonado por Araci, uma bela índia de uma tribo adversária. Salvaguardadas as devidas proporções comparativas, ele é um personagem mergulhado em sua paixão, tal como a virgem dos lábios de mel, alguém disposto a enfrentar as “tradições” para conquistar a sua amada, mesmo que a postura intensifique rivalidades e cause transtornos para a sua tribo. O processo é tenso, mas o desfecho é favorável para estes indivíduos ainda não acometidos pelas celeumas da colonização, com uma belíssima cena envolvendo arcos dobrados e valentia, algo parecido com a reconquista de Ulisses nos momentos finais da Odisseia, de Homero.

Aqui, José de Alencar, um etnógrafo de gabinete e historiador da literatura, tece críticas aos processos coloniais, responsáveis por destruir elementos basilares das culturas indígenas. Narrado em terceira pessoa, Ubirajara expõe o feixe de leituras da pesquisa do escritor, um devorador dos textos oriundos do quinhentismo, trabalho que nos demonstra a nova carga de significação dada aos cronistas do descobrimento, numa série de passagens que ironiza e relê tais documentos, dando ao público novas interpretações. O indígena da narrativa é puro, ainda sem contato com o europeu, imaginado e idealizado, não corrompido pelos traços da colonização opressora. Em seus nove capítulos, a história delineia a questão romântica do amor e da renúncia, mas reforça, muito mais, um manancial de códigos de honra e lealdade, elementos tipicamente heroicos das narrativas medievais.

Tal como o processo formativo de nossa nação multicultural, José de Alencar entrega ao leitor uma concepção imaginada da era prévia do encontro entre os integrantes da esquadra de Pedro Álvares Cabral com os nativos que, segundo estudos literários contemporâneos, possuem traços próprios de uma civilização, mas não associados aos ditames europeus. O amor pela pátria, a criação de heróis nacionais, a comparação entre os cavalheiros medievais e os índios valentes permeiam cada página de Ubirajara, uma trajetória que se desvia da objetividade da poesia árcade e deflagra, poeticamente na prosa, o sentimentalismo e a subjetividade dos românticos. É um romance sobre a busca pela identidade nacional, uma mixagem de raças, religião, costumes, dentre outros aspectos de um grupo situado num Estado, movidos pelo ideal de unidade.

Com traços das epopeias clássicas, em especial, a peripécia e o reconhecimento, Ubirajara é uma história que se pavimenta pelos caminhos da excelência guerreira e hospitalidade, dois grandes temas do curto romance, numa trajetória aventureira que deflagra a busca de Jaguarê, o caçador araguaia que busca incessantemente um índio de uma tribo inimiga para combater e, no processo, vencê-lo, tendo em vista se tornar um guerreiro. Ele se apaixona por Araci, já mencionada anteriormente, mas para tê-la, será necessário eliminar os pretendentes. Neste feixe de acontecimentos, ele enfrenta Pojucã, o irmão da moça e o transforma em prisioneiro em sua tribo. Com isso, se torna o “senhor da lança”, se passando por Jurandir posteriormente, ao se infiltrar na aldeia da amada. Lá, ele combate e ganha a mão da índia, mas ao revelar seu verdadeiro nome, estabelece uma guerra entre as tribos adversárias. O desfecho, positivo, traz a também mencionada cena dos arcos dobrados, com a unificação dos povos e o apaziguamento imaginado num território que posteriormente, enfrentaria as agruras da colonização europeia.

Ubirajara (Brasil, 1874)
Autor: José de Alencar
Editora: Ática – Série Princípios.
Páginas: 164.

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