Quando o escritor Hans Christian Andersen escreveu Ole Lukøje, em 1841, o folclore em torno desse personagem, no continente europeu, já tinha um bom número de variações e representações, das mais infantis e bonitinhas, às mais adultas e macabras, como já se tinha visto na literatura do Velho Continente pelas mãos do escritor E.T.A. Hoffmann, com seu O Homem da Areia, de 1817. Como fizera em outras ocasiões, com outros personagens, Andersen recuperou os mitos em torno desse Ser, dessa representação da chegada do sono e dos sonhos para as pessoas (especialmente para as crianças, personagens centrais dessas tramas) e criou uma base que justificasse uma ação diferente para este que se popularizou como Sandman.
O tradutor da clássica versão americana deste conto, Erik Christian Haugaard, que em 1974 foi responsável por traduzir uma antologia da Anchor Books intitulada The Complete Faity Tales and Stories, usa o nome Sandman ao longo de todo o conto e não Ole Lukøje, o nome norueguês dado por Andersen. Aliás, vale dizer que no norte da Europa o personagem é conhecido por outros nomes mais “comuns” na região, como John ou Jon Blund e Klaas Vaak. De qualquer forma, estamos falando exatamente do mesmo indivíduo misterioso. O Ser que nessa história de 1841 carrega dois guarda-chuvas, um com sonhos bons e outro com “ausência de sonhos”, destinado às crianças que não se comportam bem.
No caso do garotinho protagonista dessa narrativa, Hjalmar, estamos falando de uma criança bem comportada, portanto, a história aqui é marcada pelas aventuras de uma semana que o menino tem, em sonhos, ao lado de Sandman ou Ole Lukøje, que por sete noites mostra diferentes lugares e situações para o sonhador. A estrutura do conto é dinâmica, com divisões que vão de segunda a domingo e com aventuras (levemente) diferentes de uma noite para outra. E coloquei “levemente diferentes” ali atrás porque os primeiros dias são muito interessantes em termos de fantasias e de exploração do mundo dos sonhos, mas os dias finais das visitas de Ole são bem similares uns aos outros e com acontecimentos um tanto… chatos.
A introdução para esse Universo, porém, é muito boa. Ela mostra tudo aquilo que a gente já espera de uma aventura que contenha uma representação de Sandman, e os três primeiros dias dos sonhos de Hjalmar possuem aquele tom de novidade e de descobertas que tanto se cultiva na literatura infantojuvenil, algo que infelizmente se perde nas jornadas posteriores. Um ponto que eu achei bem peculiar e que gostaria de destacar aqui é o sonho em que duas bonecas da irmã de Hjalmar se casam. Uma delas é sempre vestida com roupas masculinas e o casal é unido pelo Sandman vestido com a saia da avó de Hjalmar! Confesso que não esperava esse tipo de exposição na história, e esse foi um genuíno espanto para mim, especialmente a parte das bonecas.
Outro ponto que normalmente se destaca desse conto é o que acontece no domingo. Neste dia, Sandman diz a Hjalmar que ele tem um irmão de mesmo nome, que também conta histórias, só que “de maneira definitiva“. Seu nome mais comum é Morte. O garoto conhece o “Sandman Morte” e percebe que ele não é nada terrível como os adultos falam. Esta também foi uma representação diferente e que me impressionou nessa história, pela reflexão que faz sobre o tão temido fim da vida. No geral, Ole Lukøje é uma boa aventura, especialmente em seus primeiros dias. Em sua introdução e finalização o texto dá um pouco mais de detalhes sobre essa versão norueguesa do Sandman e termina com uma poética demonstração da Morte como aquela que também conta histórias e é responsável por um tipo de sono. Pensando bem, é uma versão simbolicamente bastante verdadeira.
Ole Lukoie (Ole Lukøje) — Dinamarca, 20 de dezembro de 1841
Publicação original: Fairy Tales Told for Children. New Collection. Third Booklet (Eventyr, fortalte for Børn. Ny Samling. Tredie Hefte)
Autor: Hans Christian Andersen
Edição lida para esta crítica: The Complete Faity Tales and Stories – Hans Christian Andersen
Editora: Anchor Books (EUA, 1974)
Tradução (do dinamarquês para o inglês): Erik Christian Haugaard
25 páginas