Home QuadrinhosMinissérie Crítica | Sandman: Garrett Sanford (1974 – 1978)

Crítica | Sandman: Garrett Sanford (1974 – 1978)

Ou... "o Sandman de Jack Kirby".

por Luiz Santiago
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Quando a DC Comics deu o aval para que Jack Kirby fosse adiante com mais uma de suas ideias, não havia nenhuma intenção de tornar a “revistinha com o homem dos sonhos” uma série ou minissérie. Era para ser uma one-shot mesmo. Mas as coisas acabaram indo por um outro caminho, mesmo que por apenas seis edições oficiais e uma não publicada, que veio à tona dois anos depois do cancelamento do título, em Cancelled Comic Cavalcade #2 — uma edição cuja crítica vocês podem ler logo abaixo. Kirby concebeu o seu Sandman (com roteiro bem simpático de Joe Simon) como um verdadeiro representante do mundo dos sonhos, ou seja, uma encarnação daquilo que a literatura europeia já tinha construído em torno do personagem em versões tão distintas como O Homem da Areia e Ole Lukoje.

É claro que esta versão do João Pestana vivida por Garrett Sanford tem toda a cara de um super-herói, mas na essência, ele é “apenas” o Mestre do mundo onírico da humanidade, trabalhando quase exclusivamente nos sonhos das crianças. Embora o personagem tenha tido mais duas participações importantes no Universo DC, uma em fevereiro de 1983 (na Mulher-Maravilha #300, em um retcon bem estranho e um tantinho pervertido escrito por Roy e sua esposa Dann Thomas) e outra em agosto do mesmo ano, na Liga da Justiça Anual #1; a verdadeira base de histórias dessa encarnação do Sandman está posta nessas seis edições publicadas entre 1974 e 1976. Já na primeira revista conhecemos Garrett Sanford, seus pesadelos-ajudantes Bruto e Glob e também o garotinho Jed, que será a criança protagonista da maior parte das aventuras (na verdade, ele só não aparece na edição #4, que é protagonizada por uma menina chamada Susie).

Esse é o time que cuida dos sonhos e dos pesadelos das pessoas, e em todas as edições encontramos a mesma premissa: algo dá errado nesse mundo e Sandman precisa agir. Algumas vezes ele precisa da ajuda de Bruto e Glob e, com o passar dos capítulos, acaba solicitando também a ajuda de Jed, o que parece mais uma necessidade fraterna e empática do que qualquer outra coisa, uma vez que Jed é uma criança humana e pouco pode fazer contra os inimigos desse mundo de fantasias e loucuras surreais. O leitor também se depara aqui com situações bastante vergonhosas, com Sandman sendo enganado, preso ou agredido pelos instrumentos mais banais possíveis. Nem parece que estamos falando de alguém que deveria ter um maior controle sobre seus poderes, sobre as criaturas do reino do Sonhar e, mais ainda, sobre as armas e situações que ocorrem na nossa realidade. A única forma dessa encarnação representar algo realmente notável (mas isso não entra na avaliação final da obra em si, por motivos mais do que óbvios) é considerando tudo o que lemos dela, nesta fase, a partir da explicação que seria dada por Neil Gaiman entre 1989 e 1990, no arco A Casa de Bonecas.

Sandman (Garrett Sanford), Bruto e Glob observando o mundo dos sonhos.

Embora a ideia já houvesse aparecido de forma superficial em Prelúdios e Noturnos, é no segundo arco das aventuras de Morpheus que entendemos a verdade sobre a existência de Garrett Sanford, o que explica uma imensidão de coisas em relação ao seu comportamento e mau uso de poderes, ou mesmo as ações de Bruto e Glob nessa série. Mas principalmente vemos ali a continuação da vida de Jed. Na edição #5 da presente série, o garoto perde o avô e é levado pelos horrendos tios para morar em uma fazenda, longe da Ilha dos Golfinhos. É então que começa o martírio do menino. Eu tenho a impressão de que se avançasse por mais edições, o título acabaria ganhando uma abordagem dramática muito mais forte, tendo no abuso psicológico, físico e de trabalho infantil de Jed as suas maiores colunas. E o mais curioso é a ironia que as fantásticas viagens de Jed acaba tendo em comparação com a sua vida atribulada nesse momento. Ele sofre nas mãos dos tios e dos primos, mas ao sonhar, é levado por Sandman ou por seus ajudantes para resolver problemas em outra dimensão. Dá até para fazer uma interessante leitura sobre um mecanismo de enfrentamento, não?

Exceto pelas edições #2 e #3, especialmente essa última, que é mesmo muito ruim, essas publicações com o Sandman de Garrett Sanford tem toda a cara das sagas de fantasia em quadrinhos da Era de Prata, e ganha nos desenhos de Jack Kirby (e Ernie Chan, nas já citadas edições) aquele ar de inocência caótica que nos deixa interessados pela continuação da história. Mesmo que cada revista tenha uma aventura isolada, pelo menos a parte da vida de Jed recebe uma entrelinha permanente, focando, claro, no seu cotidiano, maus bocados e raros momentos de felicidade. É uma boa oportunidade para a gente conhecer um pouco de como o mundo dos sonhos estava sendo administrado durante a longa prisão de Morpheus, o verdadeiro Senhor dos Sonhos.

Sandman – Vol.1 #1 a 6 (EUA, março de 1974 – janeiro de 1976)
Roteiro: Joe Simon (#1), Michael Fleisher (#2, 3, 4, 5 e 6)
Arte: Jack Kirby (#1, 4, 5 e 6), Ernie Chan (#2, 3)
Arte-final: Mike Royer (#1 a 5), Wally Wood (#6)
Letras: Mike Royer (#1, 4, 5), Ben Oda (#2, 3, 6)
Editoria: Jack Kirby, Steve Sherman
Capas: Jack Kirby, Frank Giacoia, Gaspar Saladino, Mike Royer
Editoria: Joe Orlando, Paul Levitz
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Sandman em…

A Guerra dos Homens-Foca Contra o Papai Noel

Escrita por Michael Fleisher e com desenhos de Jack Kirby, esta edição seria a sétima entrada do título do Sandman iniciado em 1974, mas com o cancelamento da revista, a história ficou guardada nas gavetas da DC até 1978, quando foi publicada na Cancelled Comic Cavalcade #2. Trata-se de uma edição que mostra exatamente aquilo que comentei ao final do bloco anterior: o roteiro pega o drama pessoal de Jed, comendo o pão que o diabo amassou na casa dos tios, e transforma as andanças dele com o Sandman numa fuga deste lugar horrível. O roteiro dá um certo espaço para as condições na casa, mas não demora muito ali. Mesmo assim, sentimos raiva de todo mundo naquela casa, porque todos são muito ruins com Jed, das crianças aos adultos. Para o menino, parece que a única coisa boa que sobra são as viagens que consegue fazer no mundo dos sonhos.

A trama dessa publicação é bem absurda, o motivo para os tais Homens-Foca se colocarem contra o Papai Noel é fraco, bobo e desinteressante, mas a história como um todo é muito divertida. Há uma pitadinha de lição de moral à la Uma Canção de Natal e a passagem pelo mundo dos sonhos é bem instigante, com os encontros que vemos acontecer, as visitas peculiares que os personagens fazem e todo o encadeamento da aventura que prepara todos para a comemoração do Natal. Um texto que traz o espírito de festejo dessa data aconchegante, inclusive com a possibilidade de ajuda a quem mais precisa. Uma boa história natalina para o Sandman e para o pobre Jed, em seus momentos de escape e de felicidade na vida.

The Sandman: “The Seal Men’s War on Santa Claus” (EUA, setembro de 1978)
Publicação original:
Cancelled Comic Cavalcade Vol.1 #2
No Brasil: Lendas do Universo DC – Sandman e Outras Histórias, Jack Kirby (Panini, 2021)
Roteiro: Michael Fleisher
Arte: Jack Kirby
Arte-final: Mike Royer
Editoria: Joe Orlando
páginas

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